segunda-feira, 7 de março de 2016

OS TRÊS PILARES DA DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: O ENSINO, A PESQUISA E A EXTENSÃO


UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS
NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PÓS-GRADUAÇÃO

Curso de Pós-Graduação em Docência e Pesquisa no Ensino Superior

Orientando: Álaze Gabriel Gifted
Orientadora: Professora Doutora Mariângela Camba




OS TRÊS PILARES DA DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: O ENSINO, A PESQUISA E A EXTENSÃO



RESUMO

O artigo busca contribuir com uma reflexão sobre o ensino, a pesquisa e a extensão, enquanto pilares da docência no ensino superior. Busca ressaltar a indissociabilidade entre eles para a adequada formação do acadêmico. Realiza um levantamento bibliográfico e documental, coletando dados de livros, de documentos legislativos e de periódicos científicos atualizados da área educacional. Conclui que o ensino, a pesquisa e a extensão são pilares indissociáveis, porém distintos, visto que cada um tem seu próprio foco e suas próprias formas de se fazerem presentes na vida acadêmica. Por essa razão, exige ao orientador acompanhar, facilitar e aproximar o desenvolvimento das capacidades professoral, de produção científica e profissional do acadêmico, propiciando-lhe a universalidade do seu campo de atuação, ou seja, uma visão ampliada dos horizontes da sua profissão. Por fim, ressalta-se que o presente estudo não exaure o tema, ou seja, existe margem para ulteriores aprofundamentos.

PALAVRAS-CHAVE: Docência no ensino superior. Ensino. Pesquisa. Extensão.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem como tema o ensino, a pesquisa e a extensão na atividade docente no ensino superior, que é complexo de ser trabalhado porque envolve não somente aspectos técnicos e metodológicos, mas também humanos, haja vista que o seu centro é a relação existente entre orientando e orientador (FREIRE, 2003; COSTA; SOUZA; SILVA, 2014).
Esse tema se justifica por dois fatores: a) a importância da indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão; b) a necessidade da articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão. Consoante a literatura crítica sobre o tema aponta e meus cinco anos de estudos e convivências universitárias corroboram, o orientador cumpre - e precisa cumprir – variados papéis e responsabilidades no fito de ajudar os seus discentes a desenvolver as suas capacidades professoral, científica e profissional (COSTA; SOUZA; SILVA, 2014; MOCELIN, 2009).
A questão que move essa pesquisa é compreender quais os caminhos para adequar o ensino, a pesquisa e a extensão, de modo a atrelá-los de modo indissociável no processo de formação do acadêmico. Entretanto, a prática docente no ensino superior se defronta com o problema da imensa dificuldade da articulação entre esses três pilares, razão da escolha desse tema para discussão no presente artigo. Desse modo, o presente artigo objetiva apresentar, com base em um levantamento bibliográfico e documental, a importância da indissociabilidade e a necessidade da articulação entre eles.
Para tanto, foram selecionados onze artigos científicos publicados periódicos em científicos atualizados da área educacional, três livros (ALVES; LOCCO, 2009; FREIRE, 2003; MORAN; HARRIS; STRIPP, 1996), e alguns documentos sobre o tema publicados em sites universitários (BRASIL, 2015).
Para a escolha das fontes selecionadas foram considerados os seguintes critérios: conteúdo: a) conteúdo específico da legislação educacional, e das condições socioeconômicas em que a educação atual se encontra inserida; b) conteúdo pertinente e atualizado de artigos científicos publicados nos últimos cinco anos em periódicos científicos da área; c) viabilidade de acesso e análise dos materiais selecionados. Todas as fontes foram observadas; os dados foram coletados, organizados, sistematizados, analisados, e apresentados de acordo com os procedimentos técnicos de pesquisa para levantamento bibliográfico e documental apresentados por Gil (1999; 2010) e Marconi e Lakatos (2007).
A docência no ensino superior implica uma atuação profissional contínua repleta de atividades de ensino, de pesquisa e de extensão, as quais se entrelaçam intimamente no processo de aprendizagem (BRANDT e LAROCCA, 2009). O ensino, a pesquisa e a extensão, embora distintos entre si, são indissociáveis, de tal modo que Brandt e Larocca (2009, p. 149) pontuam:


[…] o ato de pesquisar implica um processo de aprendizagem intenso e criativo. A esse respeito, é necessário lembrar que, para muitos mestrandos, a pós-graduação representa o primeiro contato com as exigências próprias da pesquisa científica. Não se ignora que, em nossa realidade, a escolaridade de grande parte dos alunos é pautada pela mera transmissão/reprodução de conhecimentos e que muitos estudantes chegam à pós-graduação inibidos quanto às suas possibilidades criativas. Some-se a isso o fato de que a iniciação científica (IC), em nosso País, é ainda precária, com um número de bolsas insuficientes, alunos trabalhadores, docentes do ensino superior desinteressados pela pesquisa, entre outros problemas. Tudo isso faz com que a grande maioria dos mestrandos tome contato com a pesquisa científica e suas exigências pela primeira ou, no máximo, segunda vez, de modo que o processo de aprender a produzir conhecimentos, nesse contexto, nem sempre é tranquilo. Emerge daí a premência em criar um intenso e eficiente processo de problematização e aprendizagem da pesquisa propriamente dita.
[…] Esse diferencial fica bem claro nas Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em que se coloca “a pesquisa, com foco no processo de ensino e de aprendizagem, uma vez que ensinar requer tanto dispor de conhecimentos e mobilizá-los para a ação como compreender o processo de construção do conhecimento”. Isso implica que a pesquisa seja diferenciada: no sentido de investigação da própria prática, princípio educativo, e no sentido de produção de conhecimento novo, princípio científico.


Entretanto, com base na literatura crítica do tema e no que se observa nos campus universitários de um forma geral, essa temática, embora amplamente difundida na legislação educacional e nos documentos produzidos pelo Governo Federal, CNE, MEC, IES, e por Fóruns de Pró-reitores dessas áreas acadêmicas, mas ainda pouco efetivada em termos de ações articuladoras entre essas instâncias acadêmicas (DIAS, 2009; COSTA et al, 2014; MOITA; ANDRADE, 2009).
Ao longo da história da humanidade, o ensino superior passou por várias mudanças a fim de se adequar à realidade temporal e espacial. Inobstante, atualmente, devido ao cenário cada vez mais globalizado, dinâmico e complexo em que vivemos, as Instituições de Ensino Superior (IES) têm se concentrado, desde inícios da década de 1990, em implementar medidas de internacionalização, por meio de atividades de ensino, de pesquisa e de extensão, entre as quais se destacam no âmbito institucional:


[...] a criação de comissões de cooperação internacional, a adaptação dos recursos humanos, a celebração de convênios de cooperação internacional e as medidas informativas. Além disso, há medidas comuns de caráter acadêmico, entre as quais se destaca o estabelecimento de linhas de pesquisa para a construção de centros de referência em pesquisa, a organização de bibliotecas de alto padrão, bem como a inserção de disciplinas e a realização de outras atividades de ensino e pesquisa em idiomas estrangeiros (MARRARA; RODRIGUES; 2009, p. 124).


O ensino superior brasileiro busca articular atividades de ensino, pesquisa e extensão, tentando, por meio delas, fornecer uma formação sólida, humanizadora e capaz de gerar agentes de transformação social. Tais atividades consistem no caminho que o docente do ensino superior precisa seguir para propiciar o efetivo aprendizado aos seus discentes, concedendo-lhe a compreensão de todas as dimensões de sua profissão, ou seja, a universalidade do seu campo de atuação (COSTA et al, 2014; MORAES, 1998; MOITA; ANDRADE, 2009).
O ensino, a pesquisa e a extensão constituem, desse modo, os três pilares da docência no ensino superior, de modo que, hoje, o professor é, não apenas um reprodutor de conhecimentos, mas um agente de transformação social que gera, ou forma, outros agentes de transformação social (SOUZA, 2006).
Este artigo foi organizado em três capítulos. O primeiro se refere à introdução, na qual são apresentados o tema, a justificativa, o problema, os objetivos, a contribuição, a metodologia, o percurso do aluno, o referencial teórico, e a organização do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). O segundo capítulo se refere ao desenvolvimento, o qual foi subdividido em três tópicos, um abordando o ensino, outro a pesquisa, e outro a extensão, como pilares da docência no ensino superior. No terceiro capítulo, por sua vez, são apresentadas as considerações finais.

2. OS TRÊS PILARES

2.1 O ensino: foco no desenvolvimento da capacidade professoral

Longe de ser uma educação bancária, pautada na mera transmissão ou reprodução de conhecimentos, o orientador é aquele que ensina, pesquisa e aproxima os seus orientandos da realidade da sua profissão. A tarefa de orientação exige, para tanto, a participação de ambos em atividades de ensino, de pesquisa e de extensão, que articulem a teoria e a prática dos conteúdos aprendidos no ambiente acadêmico com a teoria e a prática dos conteúdos aprendidos no ambiente profissional (COSTA; SOUZA; SILVA, 2014; FREIRE, 2003).
Desse modo, a Instituição de Ensino Superior (IES) precisa gozar de estrutura e funcionamento adequados, isto é, que sejam capazes de fornecer ao acadêmico atividades em que ele possa desenvolver a sua capacidade professoral (de ensino), a sua capacidade de produção científica (de pesquisa) e a sua capacidade profissional (de extensão). Neste diapasão, na busca da universalidade de campo, isto é, na compreensão de todas as dimensões de profissão em que o acadêmico é formado, é que as IES integram as atividades de ensino, de pesquisa e de extensão (MORAES, 1998; MOITA; ANDRADE, 2009).
São variados e complexos os papeis do docente no ensino superior. Ele precisa atuar como professor, como pesquisador e, concomitantemente, como profissional da sua área de formação e de docência (COSTA; SOUZA; SILVA, 2014). Então, para a adequada formação do acadêmico, ao professor orientador incumbe ouvir, encorajar o debate, fornecer feedback contínuo ao aluno, demonstrar atenção e respeito, e se entusiasmar com o processo de orientação (COSTA; SOUZA; SILVA, 2014). Sobre esses aspectos, Costa, Souza e Silva (2014, p. 826, p. 827 e p. 833) pontuam:


[...] A orientação de mestrandos e doutorandos é um dos requisitos fundamentais do desenvolvimento científico e tecnológico e do sucesso da formação pós-graduada. A depender do modelo de formação e do curso, o orientador é a principal referência de formação do aluno ao longo de todo o percurso acadêmico (há programas que já definem o orientador antes ou logo após o processo seletivo, enquanto outros protelam a definição do orientador para momentos posteriores). Isso torna o orientador, em algumas circunstâncias, mais decisivo para o sucesso do discente do que outros elementos do processo de formação de mestres e doutores (como estrutura física, projetos acadêmicos, etc.). […] Nessa perspectiva, o trabalho docente envolve um conjunto de elementos que se inter-relacionam: contexto sócio-histórico particular, sistema educacional, sistema de ensino, professor, objeto de ensino, "outros" (colegas de trabalho, alunos...) e artefatos simbólicos ou materiais. [...]
Essa perspectiva amplia o papel da orientação para além da elaboração do trabalho final e passa a estar vinculada também à visão do orientador como um conselheiro ou mentor acadêmico, em alinhamento com o que pensam Gardner e Barnes (2014). [...]


O ensino objetiva o desenvolvimento da capacidade professoral do acadêmico. Envolve, portanto, sua capacidade de acompanhar outros acadêmicos, quer presencialmente (hands on) quer à distância (hands off), mantendo diálogos teóricos e metodológicos com frequência suficiente para a adequada elaboração dos trabalhos científicos dentro dos seus respectivos prazos (COSTA et al, 2014; COSTA; SOUZA; SILVA, 2014).
O docente da educação superior precisa desenvolver nos seus orientandos competências centrais necessárias à sua futura atuação quais professores, pesquisadores e profissionais da área. Para tanto, tais são as competências centrais: saberes de conteúdo substantivo da área de concentração e da linha de pesquisa; saberes epistemológicos e metodológicos; saberes de prática docente; saberes de prática de pesquisa, e, por fim, saberes de produção escrita (COSTA; SOUZA; SILVA, 2014). Nessa perspectiva, é necessário ampliar a discussão a respeito da responsabilidade do orientador, consoante Costa, Souza e Silva (2014, p. 833 e p. 834) assinalam:


A formação do pesquisador está vinculada à capacidade de planejamento e à operacionalização de uma pesquisa acadêmica, não apenas de conhecimento de paradigmas epistemológicos e procedimentos metodológicos, mas também da vivência da prática da pesquisa. A formação do pesquisador doutor pode envolver igualmente a compreensão da estrutura e do funcionamento de grupos de pesquisa, o gerenciamento de projetos de pesquisa e a avaliação da capacidade de orientação de trabalhos de conclusão de curso;
A formação do professor doutor deve ser entendida como uma das responsabilidades centrais da orientação, uma vez que o mestrando ou doutorando em processo de formação precisa desenvolver os saberes da prática de ensino, atividade que certamente será uma de suas principais responsabilidades ao longo de sua carreira. Isso demanda não apenas o acompanhamento de atividades de estágio de docência, como pode levar o orientando a refletir sobre como essa prática deve ser conduzida pelo futuro professor, mestre ou doutor;
Por fim, a formação do profissional, pois o futuro mestre ou doutor, embora venha a atuar como docente, deve conhecer o espaço de exercício em que atuarão os seus alunos. Por exemplo, um futuro professor de Marketing precisa ter vivido, ainda que por pouco tempo, o universo da atuação profissional da área. Isso demanda o desenvolvimento da capacidade de reflexão na e sobre a ação, fundamentada em um conjunto de pressupostos teóricos que promovam a reflexão e/ou transformação nas perspectivas de significado do aluno em processo de formação sobre seu trabalho.


Inobstante, no que concerne à operacionalização do trabalho de orientação de mestrandos e doutorandos, o estudo de Costa, Souza e Silva (2014, p. 841 e p. 842) sugere o seguinte framework:


MODELO DE TRABALHO DE ORIENTAÇÃO
Fase
Características da orientação
Atividades demandadas
Mestrado
1ª (primeiro semestre)
Hands on (acompanhamento próximo);
Reuniões mensais;
Diálogos teóricos e sobre o campo.
Relatos verbais das atividades de formação;
Participação em atividades de grupos de pesquisa;
Participação em eventos comunicativos do campo.
2ª (segundo semestre)
Hands on;
Reuniões mensais;
Diálogos teóricos e sobre o campo;
Aproximação da pesquisa.
Relatos verbais das atividades de formação;
Participação em atividades de grupos de pesquisa;
Participação em eventos comunicativos do campo;
Fechamento do escopo da pesquisa e produção de gêneros acadêmicos.
3ª (terceiro semestre)
Meio-termo entre hands on e hands off (acompanhamento distante);
Reuniões semanais ou quinzenais;
Envolvimento na elaboração de artigos;
Discussão da prática docente e profissional;
Foco na pesquisa final.
Relatos verbais das atividades de formação;
Participação em atividades de grupos de pesquisa;
Participação em eventos comunicativos do campo;
Produção de conteúdo da pesquisa e produção de artigos, além de desenvolvimento do estágio de docência.
4ª (quarto semestre)
Meio-termo entre hands on e hands off;
Reuniões semanais ou quinzenais;
Envolvimento na elaboração de artigos;
Discussão da prática docente e profissional;
Foco na pesquisa final.
Relatos verbais das atividades de formação;
Participação em atividades de grupos de pesquisa;
Participação em eventos comunicativos do campo;
Produção de artigos, fechamento da pesquisa e defesa de trabalho final.
Doutorado
1ª (primeiro ano)
Hands off;
Reuniões mensais ou bimestrais;
Diálogos teóricos e sobre o campo.
Relatos verbais das atividades de formação;
Participação em atividades de grupos de pesquisa;
Participação em eventos comunicativos do campo;
Produção de artigos, fechamento da pesquisa e defesa de trabalho final.
2ª (segundo ano)
Meio-termo entre hands on e hands off;
Reuniões quinzenais ou mensais;
Envolvimento do aluno em artigos;
Início de atividades em torno da pesquisa.
Relatos verbais das atividades de formação;
Participação em atividades de grupos;
Participação em eventos comunicativos do campo;
Fechamento do escopo da pesquisa e produção da pesquisa e produção de artigos.
3ª (terceiro e quarto anos)
Hands off;
Reuniões mensais ou bimestrais;
Diálogos teóricos e sobre o campo;
Foco no trabalho da pesquisa.
Relatos verbais das atividades de formação;
Participação em atividades de grupos;
Participação em eventos comunicativos do campo;
Produção da pesquisa, produção de artigos e experiência de ensino externa (potencialmente internacional);
Fechamento da pesquisa e defesa de trabalho final.
Fonte: COSTA, SOUZA e SILVA (2014, ps. 841 e 842).


Com base em tais pressupostos, percebe-se que a atividade de orientação é um processo complexo e árduo, que exige cooperação e esforço tanto do orientador quanto do orientando. A proximidade, a periodicidade e o grau de significância dos diálogos entre eles são determinantes para o avanço adequado dos projetos de pesquisa, para o desenvolvimento das capacidades do acadêmico e para o bom andamento das demais atividades acadêmicas.

2.3 A pesquisa: foco no desenvolvimento da capacidade científica

A ciência tem avançado no compasso do produto de equipes de pesquisadores com grande capacidade criativa e com uma rotina de trabalho altamente disciplinada e especializada (MOCELIN, 2009). Por essa razão, a carreira científica tem se tornado cada vez mais promissora, mais reconhecida tanto pela comunidade acadêmica quanto pelo público em geral.
Pesquisar transcende o ler e escrever bem, embora essas operações sejam fundamentais para a adequada operacionalização das investigações científicas. Pesquisar envolve o pensar estruturado, a reflexão crítica construtiva, a responsabilidade social, a adequada gestão dos recursos e a ética. Ser pesquisador é ser agente produtor de conhecimento confiável e transformador da comunidade ao nosso redor (MARCONI; LAKATOS, 2007; GIL, 1999; 2010). Elucidando alguns dos aspectos mais importantes do fazer científico, Mocelin (2009, p. 43) assinala:


[...] O modelo mertoniano reflete uma prática plena do fazer científico, mais no sentido de como essa deveria ser do que no sentido de como ela é. Na visão desse autor, o amor à ciência é um elemento básico, que deve marcar presença em todas as ações dos praticantes, embora não se confunda com altruísmo, da mesma forma que ação interessada não é sinônimo de egoísmo. Trata-se de paixão pelo conhecimento, curiosidade intelectual, interesse pelo destino da humanidade. É a conscientização de que é não-ético executar investigações científicas exclusivamente por dinheiro ou para garantir posição social, embora não o seja a busca por reconhecimento científico.


A carreira científica de um acadêmico começa quando ele começa a pesquisar. A pesquisa objetiva o desenvolvimento da sua capacidade científica. Compreende a sua capacidade de produção oral e escrita de diferentes gêneros acadêmicos, sua capacidade crítico-reflexiva no processo de investigação científica, sua participação contínua e significativa em eventos científicos e sua capacidade de orientar outros acadêmicos de modo equivalente (COSTA; SOUZA; SILVA, 2014; COSTA et al, 2014).
A expansão dos grupos de pesquisa e a intensificação da concorrência entre os pesquisadores culminaram no aumento da quantidade de pesquisadores no Brasil bem como em melhorias qualitativas da pesquisa, o que retrata, indubitavelmente, um avanço da pesquisa científica brasileira. Essas ideias são corroboradas por Mocelin (2009, p. 60 e 61) com os seguintes dizeres:


O crescimento do número de pesquisadores no Brasil, a intensificação da concorrência entre os pesquisadores e a expansão de grupos de pesquisa são fenômenos correlatos. A formação de grupos de pesquisa entre os anos 1990 e 2000 não é um fenômeno restrito a algumas áreas específicas do conhecimento, mas antes um fenômeno que agrega a “comunidade científica” brasileira como um todo. Mesmo que haja diferenças históricas que acompanham a gênese de cada grande área do conhecimento, não é possível negar que há uma tendência comum na comunidade nessa passagem de século. Não é possível avaliar se essa é uma mudança definitiva, tão pouco se é uma mudança negativa ou positiva.
A ideia de que houve uma mudança em termos quantitativos é inquestionável, mas não se pode negar que ocorreu também uma mudança qualitativa, tanto na organização da ciência, no Brasil, como também na sua prática. O crescimento do número de pesquisadores provocou significativo aumento da concorrência entre eles pelo crédito científico, pelo reconhecimento e pelos recursos para a pesquisa. Não se defende a ideia de que esse modo de concorrência seja um modo adequado para o campo científico, mas que esse novo modelo, criado pelos pesquisadores enquanto uma reação às alterações nas condições do campo científico, gerou resultados positivos. Os estudantes que são iniciados sob essa nova realidade assimilam a organização em grupos como parte do fazer científico. As novas gerações já nascem sob as condições de concorrência e não sofrem com tal condição da mesma maneira como as gerações precedentes, que viveram dramática reestruturação do campo.


No Brasil, a pesquisa começou a ser institucionalizada com a Reforma Universitária de 1968 e prosseguiu nas décadas seguintes com a criação de instituições de fomento à pesquisa e à inovação tais com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), criada em 1951, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), criada em 1960, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), criado em 1992. São esses os aspectos pontuados por Mocelin (2009, p. 46) no seguinte trecho:


A estrutura decisória para a pesquisa nas instituições brasileiras data dos anos 1950, tomando impulso com a Reforma Universitária de 1968. Franco e Morosini (1992), por exemplo, explicam que, no decorrer da década de 1960, militares tomaram o poder, tendo como princípios a segurança e o desenvolvimento, visando a modernização e a internacionalização da economia através de políticas que incluíam planos de ciência e tecnologia. Pode-se notar isso nos planos globais (PND's) e setoriais (PBDCT's, PNG's) oriundos do Sistema de C&T, bem como os do Ministério da Educação. O último foi diretamente responsável pela Reforma Universitária (Lei nº 5540, 1968), que mudou a estrutura da universidade brasileira, introduzindo a ligação entre a pesquisa e o ensino, o conceito de departamento semelhante aos das univsersidades americanas, os conselhos acadêmicos disseminados em todos os níveis institucionais e o plano de carreira do professor universitário. Leite e Morosini (1992) afirmam que a política governamental de modernização se refletiu no incentivo ao desenvolvimento da ciência e tecnologia, que teve seu auge nos anos 1970, através do fomento, nas universidades, ao implantado segundo moldes das universidades norteamericanas, na verdade seguia o modelo humboldtiano ou de produção do conhecimento, tão bem desenvolvido nos países do primeiro mundo.
Em 1992, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em ação conjunta com o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), desenvolveu o Diretório de Grupo de Pesquisa no Brasil (DGPB/CNPq) e elegeu o grupo de pesquisa como unidade elementar desse diretório. O objetivo do DGPB era a constituição de um sistema de informação sobre a atividade de pesquisa científica e tecnológica no âmbito de universidades e institutos de pesquisa, com cobertura nacional. O DGPB contém informações sobre os grupos de pesquisa em atividade no País, teno um caráter censitário - e estava na sua concepção proporcionar o estabelecimento de um sistema de informações sobre a pesquisa científica e tecnológica, pretendendo fornecer um mapeamento periódico da organização e da trajetória da pesquisa no País.
[...] Esse processo pode ser compreendido sob diversas circunstâncias institucionais, tais como a implementação de instâncias decisórias, a criação de agências de fomento e de mecanismos de socialização da pesquisa, a formalização de comissões de pesquisa nas instituições e os focos ou interesses de pesquisa propriamente ditos.


Hoje, os pesquisadores contam com certo auxílio público para o financiamento do desenvolvimento dos seus projetos, mas ainda é bastante difícil a sua obtenção face à grande concorrência dos candidatos a bolsas de estudo. Quanto ao acesso aos programas de pós-graduação stricto sensu, esse ainda é um privilégio de uma pequena parcela da sociedade favorecida socioeconomicamente, sendo que os negros, os índios e os deficientes continuam, infelizmente, subrepresentados nos cursos de mestrado e de doutorado (MOCELIN, 2009).

2.4 A extensão: foco no desenvolvimento da capacidade profissional

A extensão objetiva o desenvolvimento da capacidade profissional do acadêmico, articulando os conteúdos aprendidos e praticados no âmbito acadêmico com aqueles aprendidos e praticados no dia a dia profissional. Tal capacidade é desenvolvida mormente por meio de estágios profissionais obrigatórios à integralização dos créditos do curso, mas também por meio de atividades socioeducativas (minicursos, cursos, palestras, disciplinas ACIEPES, etc.) e socioculturais (exposições, museus, teatros, concertos, excursões, etc.) (MORAES, 1998; MOITA; ANDRADE, 2009).
Percebe-se, desse modo, que, enquanto os estágios inserem o acadêmico no dia a dia da profissão em que se forma, as atividades socioeducativas e ou socioculturais visam aproximá-lo da realidade dessa vivência profissional, abrindo, então, as portas para o seu diálogo direto e ativo com a(s) comunidade(s) ao redor (COSTA et al, 2014; COSTA; SOUZA; SILVA, 2014; MOITA; ANDRADE, 2009).
No processo de formação da profissão do acadêmico, a extensão e o ensino não são acessórios à pesquisa. A sua relevância social jamais existe sem as primeiras. Salientando esses aspectos, Moita e Andrade (2009, p. 279):


[...] A extensão e o ensino são são acessórios à pesquisa, mas continuações naturais dela, se a produção científica do conhecimento quiser ser efetiva e intervir para modificar a realidade estudada - voltando a enriquecer-se, nesse processo, por dela alimentar-se continuamente. Donde não haver relevância social da pesquisa sem a indissociabilidade.


Por meio das atividades de extensão, o acadêmico é colocado no âmago da sua profissão. Operacionaliza funções inerentes a ela. Vivencia, ainda que em partes e provisoriamente, o dia a dia da carreira profissional que desenha para si. Daí a importância das atividades extracurriculares de uma forma geral durante toda a formação acadêmica, consoante apontado por Moraes (1998, p. 3):


[...] Mas significa, necessariamente, que deve contemplar, inclusive e sobretudo na grade curricular dos cursos existentes, essa universalidade de campo. Mas deve-se destacar aqui que, para a efetivação dessa possibilidade de acesso a todas as dimensões do conhecimento e da cultura, não contribuem apenas grades curriculares ricas e diversificadas. É também importante, na formação global dos estudantes universitários, o papel dos convênios, das parcerias, dos intercâmbios, das publicações, dos eventos culturais, dos cursos especiais, das atividades extracurriculares enfim.


Os estágios profissionais cumprem, desse modo, o papel articulador entre as teorias e as práticas vivenciadas tanto no mundo acadêmico quanto no mundo profissional. Ressalta, contudo, que a extensão pode se mesclar com o ensino, como, por exemplo, no estágio de docência, no qual o acadêmico desenvolve tanto a sua capacidade professoral quanto a sua capacidade profissional, visto que é a carreira docente que almeja seguir (MOITA; ANDRADE, 2009; MORAES, 1998).
Dada a imensa importância das atividade extensionistas na formação de um acadêmico não somente enquanto um profissional mas também enquanto um ser humano digno, crítico e construtivo, a extensão ganhou destaque no campo das discussões sobre a docência. Por essa razão, visando a articulação e definição de políticas acadêmicas de extensão, comprometido com a transformação social para o pleno exercício da cidadania e o fortalecimento da democracia, foi criado e implementado o Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX), no dia 06 de novembro de 1987 durante o I Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas, realizado em Brasília (BRASIL, 2015).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, é inegável e unanimemente defendida pela literatura crítica do tema. Por essa razão, o docente da educação superior precisa articular vários saberes, dentre eles o ensinar, o pesquisar e o avaliar. Os três pilares juntos visam aproximar, articular e integrar as realidades acadêmica e socioeconômica, de modo que os conteúdos fornecidos na formação acadêmica de uma profissão seja capaz de solucionar os problemas e os conflitos a ela inerentes em todos os campos da vida social. Visam alcançar a universalidade de campo, de modo que o egresso consiga enxergar a sua profissão como que do pico de um monte, compreendendo todas as suas dimensões.
Constato que a necessidade da articulação entre teorias e práticas condizentes com uma realidade cada vez mais complexa devido à internacionalização da educação e da cultura bem como da globalização da economia, da política e da tecnologia, culminou em ações integradas de ensino, de pesquisa e de extensão, por parte das Instituições de Ensino Superior (IES), capazes de fornecer ao acadêmico o desenvolvimento dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais necessários à sua profissão.
O ensino, a pesquisa e a extensão, são componentes distintos, mas indissociáveis, da docência no ensino superior, cada um focado no desenvolvimento de uma capacidade específica do acadêmico, necessária à completude de sua formação.
O foco do ensino é o desenvolvimento da capacidade professoral do acadêmico, que envolve, não meramente a transmissão ou a reprodução do conhecimento, mas um acompanhamento do discente buscando facilitar o seu aprendizado, aproximando-o da realidade da sua profissão.
O foco da pesquisa é o desenvolvimento da capacidade científica do acadêmico, que envolve, refletir criticamente, produzir oralmente e por escrito diferentes gêneros acadêmicos, participar ativamente em eventos científicos e transformar para melhor a sua comunidade.
O foco da extensão é o desenvolvimento da capacidade profissional do acadêmico, que envolve, a sua inserção no dia a dia da sua profissão, por meio de estágios profissionais, por exemplo, ou de, pelo menos, a sua aproximação dessa realidade, por meio de atividades socioeducativas e ou socioculturais.
Considero que vale ressaltar que a pesquisa é considerada por muitos pesquisadores como sendo superior ao ensino e à extensão. Nesse caso, o estágio de docência consiste numa oportunidade fecunda para o exercício da indissociabilidade entre os três. Contudo, não há superioridade de uma para com as outras, assim como não há superioridade nas colunas que sustentam uma edificação, visto que sem qualquer uma delas a edificação fica fragilizada e sucumbe.
Constato, por fim, com base na literatura crítica analisada, que a temática é amplamente difundida na legislação educacional e nos documentos produzidos pelo Governo Federal, CNE, MEC, IES, e por Fóruns de Pró-reitores dessas áreas acadêmicas, porém ainda pouco efetivada em termos de ações articuladoras entre essas instâncias acadêmicas.
Ao aludir aos pilares da docência no ensino superior, eu chamo à atenção dois aspectos chave: primeiro, as bases constituintes da docência no ensino superior, tal como as colunas bem ferramentadas e bem cimentadas que sustentam uma edificação,sem as quais a sua estrutura enfraquece, ou seja, o exercício docente torna-se inadequado; e segundo, que o conteúdo aqui apresentado não exaure o tema investigado, consistindo naquilo que o autor considera o mais importante e necessário no processo de investigação científica, deixando, desse modo, margem para ulteriores aprofundamentos.

REFERÊNCIAS


ALVES, Paulo Afonso da Cunha; LOCCO, Leila de Almeida de. Legislação educacional. Curitiba: IESDE BRASIL SA, 2009. 196p. ISBN 978-85-387-0979-4. Disponível em <http://uab.ufac.br/B881D72A-DD1C-4A90-BB7C-6F468717DC99/Final/Download/DownloadId-B8AF7FA2B9BEB1EF184F501B822FC9D/B881D72A-DD1C-4A90-BB7C-6F468717DC9 9/moodle/pluginfile.php/15568/mod_resource/content/1/legislacao educacio nal_ped_online.pdf>. Acessado em 09 de setembro de 2015 às 09h57.
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