Blog “Genialidade e Superdotação”,
de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Por trás de uma criança que vai mal
na escola pode haver uma capacidade cognitiva privilegiada. Psiquiatras e psicólogos
começam a compreender como essa característica pode se tornar uma desvantagem.
INTRODUÇÃO
Julien quase não se envolve nas aulas, não faz
lições e mostra pouco interesse por outras crianças. Ele assiste a distância à
brincadeira dos colegas e jamais participa diretamente. Em casa, é considerado
um menino "bom para nada". Diante disso, a diretora da escola
aconselha seus pais a consultar um pedopsiquiatra. No ambiente tranquilo do
consultório, o médico conquista sua confiança e propõe-lhe problemas
dissociados de qualquer conotação escolar. Neses testes de inteligência, o
menino obtém resultados excepcionais. Julien é superdotado, com quociente
intelectual (QI) próximo de 150, quando as outras crianças têm em torno de 100.
Surge assim a questão: quantas crianças que fracassam na escola são
superdotadas? É este paradoxo que abordaremos.
A diferença entre crianças precoces e superdotadas é
simples: falamos em criança precoce quando seu Ql é superior a 130, e em
superdotada quando excede 145. Às vezes uma nuance é introduzida: a criança
superdotada possui um dom que nem sempre é fácil de ser percebido, acompanhado
de um comportamento extrovertido ou introvertido, ao passo que a precoce é
identificada mais facilmente: ela fala mais cedo que a média, tem vocabulário
rico, sintaxe correta, gosta de ler, é curiosa e tem sede de aprender
Na Universidade de Lille, na Françar Jean-Claude
Grubar mostrou que o sono das crianças precoces comporta fases de sono paradoxal
(o momento em que ocorrem os sonhos) mais longas. As fases de sono paradoxal
são longas nos bebês de 9 a
10 meses, diminuindo nas crianças. Além disso, os movimentos dos olhos (nas
fases de sono paradoxal) são quase duas vezes mais frequentes nos superdotados,
uma característica de adultos. Essas particularidades refletiriam uma
capacidade de organizar, durante essas fases do sono, as informações acumuladas
durante a vigília.
No cotidiano, as crianças precoces ou superdotadas
se distinguem por uma série de detalhes quer para qualquer um que já esteve com
elas, dificilmente passam despercebidas. Em primeiro lugar, desde o nascimento,
os bebês são despertos, atentos e emotivos. Desde cedo eles fitam intensamente
seus pais, manifestando uma atenção contínua. Quando crescem, os superdotados
desenvolvem uma grande sensibilidade, informando-se de tudo o que ocorre ao seu
redor. São atentos, empáticos (permeáveis aos sentimentos do outro, sentindo a
alegria e a tristeza com mais intensidade) e lúcidos: desde os 2 ou 3 anos
analisam e participam das conversas dos adultos, falando sobre temas da
atualidade, por exemplo. Aos 6, uma criança superdotada pode compreender
conceitos difíceis: enquanto uma criança "norma" define palavras como
tampa, oceano ou perigo, a superdotada conhece o sentido de polêmica, insinuar
ou apogeu. Seu senso de humor também costuma ser bastante vivo, sem contar a
elevada capacidade de adaptação: quando em outro país, contam rapidamente na
moeda local, habituam-se às características da língua e se localizam facilmente
nos lugares públicos.
Uma criança precoce ou superdotada costuma ler muito
e gosta de aprimorar incessantemente um desenho que começou. Sua concentração é
excepcional. Algumas têm um desenvolvimento motor avançado: aprendem a andar
muito cedo, sabem coordenar os movimentos e desenham bem. Suas referências
espaciais e temporais são aguçadas. A memória, a criatividade e a imaginação
são muito desenvolvidas, assim como a flexibilidade do pensamento, e se sentem
atraídas por adultos ou crianças mais velhas. Tendem ainda a formular várias
questões sobre o sentido da vida ou do Universo.
GRÃO DE AREIA
Uma das características predominantes das crianças
superdotadas é a lucidez, que se manifesta na facilidade com que compreendem,
desde cedo, conceitos dos adultos. Voltadas para a abstração, são fascinadas
pela ideia da morte. Diante de qualquer situação, percebem imediatamente os
riscos, as possibilidades de fracasso ou de derrota. Essa consciência pode
paralisá-Ias. Em vez de enfrentar um exame escolar, por exemplo, respondendo às
questões uma após a outra, uma criança superdotada ou precoce analisa a todo
instante os riscos ligados a uma resposta errada. É claro que muitos
superdotados dominam essa angústia e obtêm resultados brilhantes. Entretanto,
basta um pequeno grão de areia na engrenagem para que a criança se feche
perigosamente em si mesma.
Retomemos ao caso de Julien. O medo de se sair mal
era, sem dúvida, a razão de seus resultados ruins na escola. Com medo de ser
avaliado por outras crianças, ele se distanciava. Suas verdadeiras capacidades
intelectuais só se revelaram quando ficou à vontade com o psiquiatra e soube
que os testes a que seria submetido não teriam nenhuma consequência. A obsessão
do fracasso é geralmente a causa dos transtornos manifestados por crianças
superdotadas. O problema é agravado em duas situações frequentes: a dislexia e
os problemas motores.
Como ocorre em relação às outras crianças, de 8% a
10% das superdotadas são disléxicas, isto é, têm problemas para aprender a ler
e escrever. Essas dificuldades, quando não detectadas, são prejudiciais a todas
as crianças, mas nas superdotadas as consequências são desproporcionais. Para
diagnosticar um caso de dislexia, utilizamos o chamado teste de inversão. A
criança é apresentada a pares de signos (letras, formas geométriicas, objetos)
idênticos, diferentes ou invertidos. Geralmente, no maternal o aluno já dispõe
os objetos, classificando-os segundo as categorias: idêntico, diferente ou
invertido. Aquele que confunde as categorias é provavelmente disléxica, pois
não tem a noção correta da orientação das letras, dos grupos de palavras ou dos
sons.
Aos 5 ou 6 anos, os superdotados constatam que
compreendem tudo, mas não tiram boas notas. Eles sofrem de um conflito entre
sua lucidez (eles sabem o que se espera deles) e as notas baixas que recebe:
não compreendem por que não têm um bom desempenho. Assim, com uma imagem
depreciada de si mesmos, eles podem se fechar e perder o innteresse pelo que
Ihes é ensinado. Nessas crianças, vários sinais de sofrimento psicológico
chamam a atenção: resultados escolares medíocres, ansiedade, depressão ou
agravamento da dislexia. Além disso, a percepção que têm da justiça torna
insuportável para elas as punições que consideram desmerecidas. Em
consequência, fecham-se ainda mais na solidão.
O segundo fator que agrava o temor do fracasso é o
surgimento de problemas motores ou de orientação espacial, que se manifestam
por vezes desde os 3 anos. As crianças superdotadas podem, como quaisquer
outras, experimentar atrasos no desenvolvimento da orientação espacial. Como
são mais lúcidas, surge um conflito. Se o teste de QI não for analisado com
discernimento, os resultados poderão ocultar a causa dos problemas. Assim, uma
criança superdotada mas que apresenta problemas de orientação espacial obterá
excelentes resultados nas provas verbais, e desastrosos nos testes de
orientação em um labirinto. O resultado do teste, que leva em conta as duas
notas, será medíocre, e ela será considerada de nível médio e tratada como tal,
o que reforçará seu sentimento de injustiça.
Numa criança superdotada, a distância entre a sua
expectativa e o resultado obtido é capaz de levar a um impasse do qual ela
dificilmente sairá. Isso explica o grande número de crianças muito inteligentes
que fracassam na escola. A melhor forma de impedir esses fracassos consiste em
diagnosticar a precocidade o mais cedo possível, tratando das dificuldades
desde os primeiros sintomas. Um tratamento ortofônico para corrigir uma
dislexia manifestada no final do maternal leva de 6 a 18 meses para surtir
efeitos.
Para avaliar o atraso no desenvolvimento da
orientação espacial, comparamos os resultados obtidos nas provas de performance
dos testes de QI (percepção do espaço, quebra-cabeças e imagens complementares,
identificação de códigos) e nas provas verbais. Se a distância entre o
resultado da prova verbal e o do teste de performance geral for inferior a 10
pontos, será preciso observar melhor o desenvolvimento da criança para
descobrir qualquer evolução desfavorável. Se a distância se situar entre 10 e
20 pontos, aconselha-se um acompanhamento psicomotor. Se for superior a 20
pontos, uma terapia familiar.
Na terapia familiar, os pais são atendidos junto com
a criança e a história da família é evoca da. O objetivo é "dissolver"
as inibições, procurando o que lhe suscita o temor do fracasso. Nas que sofrem
de problemas motores ou de orientação espacial, constatamos que receiam
executar gestos cotidianos, como amarrar os sapatos. Elas sabem que, se
tentarem, se atrapalharão e serão alvo das chacotas dos colegas. Ao indagar os
pais sobre essas questões simples, o psicoterapeuta constata que eles, muitas
vezes, acentuam a falta de autonomia dos filhos ao tentarem ajudá-Ios. O
psicoterapeuta deve ensinar a criança a reconquistar sua autonomia, fazendo-a
compreender a importância disso e aceitar a ideia do fracasso. Paralelamente,
ela deve ser acompanhada por um especialista em psicomotricidade, que corrigirá
seus movimentos e a ensinará a distinguir o lado direito do esquerdo. O terapeuta
construirá referências espaciais por meio de desenhos e jogos.
ARTE E ESPORTE
As crianças superdotadas ou precoces correm um sério
risco de desenvolver uma falsa personalidade ou, na linguagem dos psiquiatras,
um falso eu. Qual a origem do risco? Quando depende excessivamente dos pais, a
criança realiza esforços desmedidos para oferecer-Ihes a imagem que acredita
corresponder às expectativas deles. Essa distorção da personalidade pode
ocorrer com qualquer criança, mas as consequências são mais profundas nas
superdotadas, que sentem intensamente as emoções e reações íntimas das pessoas
próximas. Se perceber o menor descontentamento nos pais, fará tudo para não
provocá-Io novamente. O psicoterapeuta e os pais deverão propor-lhe uma série
de atividades, para que escolha sem constrangimentos e sem que os pais
expressem opiniões. Mas será preciso evitar que mude frequentemente de
atividade, algo que poderia desestabilizá-Ia.
Essas armadilhas não signiificam, entretanto, que
crianças superdotadas sejam eternas vítimas de sua inteligência superior.
Muitas delas experimentam um desenvolvimento motor e psicológico harmonioso.
Podem ajudar os outros no plano afetivo, técnico, artístico, esportivo ou
científico. É aconselhável, no período do maternal, passá-Ias para uma classe
mais adiantada. Mas talvez seja melhor alimentar as capacidades lúdicas da
criança, suas aspirações culturais ou esportivas, estimulando-a a manter
ocupadas suas faculdades intelectuais, geralmente mais vivas.
Um diagnóstico sistemático do estado psicológico
deveria ser feito antes dos 6 anos, no primeiro trimestre do maternal e durante
o primeiro e segundo anos do 1 º grau. Infelizmente, os pais recusam-se a
submetê-Ias a tais testes, temendo que sejam vistas como diferentes das outras.
BIBLIOGRAFIAS RECOMENDADAS
L'enfanl
surdoué: I'aider à grandir, I'aider à réussir. J. Siaud-Facchin. Ed. Odile Jacob, 2002.
Educação
da criança excepcional. Samuel
Kirk, James Gallagher, Editora Martins Fontes, 2000.
O
indivíduo excepcional. C. W.
Telford & j. M. Sawrey. Editora LTC., 1988.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sintam-se à vontade para enriquecer a participação nesse blog com seus comentários. Após análise dos mesmos, fornecer-lhe-ei um feedback simples.