sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

ESTUDO COMPARATIVO SOBRE SUPERDOTAÇÃO COM FAMÍLIAS EM SITUAÇÃO SOCIOECONÔMICA DESFAVORECIDA

Blog GENIALIDADE E SUPERDOTAÇÃO, de autoria de Álaze Gabriel.
  

Autoria:
Jane Farias Chagas - Doutora em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde pela Universidade de Brasília e professora das Faculdades CECAP;
Denise de Souza Fleith - Doutora em Psicologia Educacional pela University of Connecticut e professora do Programa de Pós-graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde da Universidade de Brasília.


RESUMO

Este estudo teve como objetivo descrever e comparar características de famílias em situação socioeconômica desfavorecida relacionadas ao desenvolvimento de comportamentos de superdotação. Participaram da pesquisa 28 famílias residentes no Distrito Federal, sendo 14 com superdotados e 14 sem filhos superdotados. Os dados foram coletados por meio do Inventário de Sucesso Parental - PSI, do Teste de Pensamento Criativo - TCP-DT e de questionário sobre características individuais e familiares do superdotado. Para a análise dos dados foram utilizados o teste t, a correlação de Pearson e estatística descritiva. Foram encontradas diferenças significativas entre os grupos com relação ao nível de comunicação, uso do tempo, práticas de ensino parental e satisfação parental. Os genitores de superdotados e não superdotados avaliaram o nível de comunicação e satisfação parental em relação a comportamento dos filhos de forma mais positiva do que seus filhos. Os resultados também indicaram uma maior participação dos pais de alunos superdotados na vida acadêmica de seus filhos. A maioria dos alunos superdotados, que participou do estudo, era do gênero masculino e ocupava posição especial na família como primogênitos e unigênitos. Além disso, não foi observada relação entre os níveis de criatividade de pais e filhos. Ficou evidenciado, porém, que os alunos superdotados apresentaram desempenho superior no teste de criatividade quando comparados aos alunos não superdotados. Os resultados chamam a atenção para o papel que a família pode desempenhar no estímulo de habilidades, talentos e interesses.

Palavras-chave: superdotação; família; ambiente socioeconômico desfavorecido; educação especial.

1. INTRODUÇÃO

A família é reconhecida como contexto primário do desenvolvimento humano e espaço de transmissão de elementos socioculturais ao longo das gerações (ASPESI, 2003; DESSEN, 2007). O microssistema familiar desempenha importante papel mediador na promoção da sobrevivência e da socialização, na estrutura de formação da identidade e personalidade e no desenvolvimento dos comportamentos de superdotação (CHAGAS; FLEITH, 2006; CHAGAS, 2007). Solow (2001) evidencia que a dinâmica e a história familiar, as crenças, valores e expectativas parentais podem levar ou não ao reconhecimento e identificação dos comportamentos de superdotação ou estimular certas habilidades em detrimento de outras.
As pesquisas que investigam aspectos familiares relacionados a superdotação têm indicado que os fatores que mais contribuem para o desenvolvimento de habilidades superiores são o ambiente familiar enriquecido e organizado de modo a atender as demandas e interesses do superdotado, a posição especial na família, e os valores e as expectativas parentais relacionados à educação e ao desempenho acadêmico (ASPESI, 2003; 2007; CHAGAS, 2003; CHAGAS; FLEITH, 2006; COLANGELO, 2002; DOWNEY, 2001; HUSANKER et al., 1995; WINNER; MARTINO, 2000; ZAJONC, 2001; ZUO, 1999).
Com relação aos efeitos da dinâmica familiar e das atitudes, valores e crenças parentais no desenvolvimento dos comportamentos de superdotação, resultados contraditórios são encontrados na literatura. Estudos conduzidos por Robinson et al. (1998), Solow (1995), Weissler, Landau (1993a, 1993b) e Zuo (1999) revelaram que a dinâmica familiar contribui favoravelmente para a formação da identidade do superdotado. Os resultados desses estudos demonstraram que as famílias com superdotados costumam ser mais flexíveis, responsivas e menos restritivas quando comparadas a outras famílias. Estas também possuem mais livros, pinturas e trabalhos de arte em casa e investem mais recursos financeiros na estimulação e promoção da inteligência dos filhos. Sobre as práticas parentais, os mesmos autores indicaram que os pais de superdotados: (a) geralmente são mais envolvidos no programa escolar de seus filhos, comunicando-lhes o alto valor que atribuem ao desempenho acadêmico; (b) educam os filhos com base em sua própria experiência acadêmica; (c) apresentam interação cognitiva significativamente diferente em termos de tópicos discutidos e da qualidade da linguagem empregada em casa; (d) expõem os filhos a novas experiências, incentivando a autonomia e independência; e (e) são mais assertivos, independentes e liberais.
Entre as variáveis do ambiente familiar que influenciam de forma positiva o desenvolvimento de comportamentos de superdotação e as habilidades do pensamento criativo estão práticas parentais como o cultivo da autoconfiança e independência dos filhos; relacionamento não possessivo; atenção aos interesses dos filhos; encorajamento de atitudes de experimentação e exploração; incentivo à flexibilidade de pensamento; ausência de comportamento crítico, restritivo e punitivo (ALENCAR; FLEITH, 2001; ASPESI, 2007; CHAGAS, 2007).
Por outro lado, resultados negativos foram destacados por vários autores quanto a variáveis da dinâmica familiar e estilos parentais associados aos estereótipos de gênero e tipos de superdotação: (a) sentimento de inadequação e despreparo parental ao lidar com a superexcitabilidade, o desenvolvimento assincrônico e as demandas peculiares do superdotado; (b) insegurança parental na tomada de decisão entre estimular e monitorar o processo de desenvolvimento das habilidades superiores do superdotado ou não interferir; (c) fracasso escolar, desequilíbrio emocional e negação do talento pelo superdotado, como consequência da manipulação, exibicionismo, superestimulação e exigência demasiada dos pais ou da competição excessiva entre os irmãos; e (d) pouco estímulo ao desenvolvimento do talento feminino (ALENCAR, 2003; ALSOP, 1997; CROPPER, 1998; DAVIS; RIMM, 1998; FREEMAN; GUENTHER, 2000; HILLS; ANDERSON, 2001; MAY, 2000; OLSZEWSKI-KUBILIUS, 2002; SNOWDEN; CHRISTIAN, 1999).
Uma das limitações dos estudos realizados na área está relacionada com a seleção da amostra, em sua maioria de membros de famílias de classe social média-alta ou com alto nível de escolaridade (BAUM; OLENCHAK; OWEN, 1998; BORLAND; SCHNUR; WRIGHT, 2000; LEROUX; LEVITT-PEARLMAN, 2000; MASTEN et al., 1999; MOON et al.., 2001; PARDO; FERNÁNDEZ, 2002). De acordo com Ambrose (2002, 2006) e Ford (2002), a desigualdade socioeconômica é uma séria barreira para o desenvolvimento das aspirações, talentos e a autorrealização porque essa é permeada por questões ideológicas e políticas que trabalham no sentido de manter o status quo. Sendo assim, as habilidades superiores e o talento de alunos das camadas mais pobres da população ou de certos grupos étnicos tornam-se invisíveis não somente para educadores como para a formulação de políticas e programas de acesso a oportunidades de desenvolvimento do potencial. Este cenário justifica amplamente os objetivos deste estudo.
Para os fins desta pesquisa, foi considerado superdotado o aluno avaliado e atendido em sala de recursos do programa da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal e não superdotado aquele que não foi diagnosticado e nem atendido por nenhum tipo de iniciativa ou programa de desenvolvimento de talentos/superdotação. O conceito de superdotação adotado, elaborado por Joseph Renzulli, concebe o fenômeno a partir da conjunção de três fatores, descritos em seu Modelo dos Três Anéis: a habilidade acima da média, o envolvimento com a tarefa e a criatividade (RENZULLI; REIS, 1994, 1997, 2003). A habilidade acima da média, diz respeito a habilidades gerais ou específicas. As habilidades gerais consistem na capacidade de processamento de informações e integração de experiências que são capazes de gerar resultados e respostas apropriadas a situações ou problemas (ex: memória, fluência verbal, raciocínio lógico e número, relações espaciais e pensamento abstrato). As habilidades específicas são associadas aos conhecimentos, técnicas e estratégias aplicadas a um domínio ou campo em particular, como matemática, xadrez, escultura, dança e literatura. Ao contrário das habilidades gerais, as habilidades específicas não são facilmente medidas por testes psicométricos.
O envolvimento com a tarefa diz respeito aos fatores motivacionais como altos níveis de concentração, dedicação, energia e perseverança destinados a execução de um projeto, performance ou resolução de problemas. A criatividade é relacionada a características do pensamento criativo (fluência, flexibilidade, originalidade), fatores associados a traços de personalidade (abertura a novas experiências, curiosidade, coragem de correr riscos) e características de produto criativo (inovação, abundância de detalhes) (RENZULLI; REIS, 1997). Essa definição de superdotação foi adotada por ser amplamente reconhecida na literatura (ALENCAR; FLEITH, 2001; MÖNKS, 2003) e por corresponder aos critérios para identificação de alunos superdotados no Programa de Atendimento ao Aluno Superdotado da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (DISTRITO FEDERAL, 2006). A família, nesse estudo, é concebida como um "grupo social especial, caracterizado por relações íntimas e intergeracionais entre seus membros" (Petzold apud DESSEN, 2007, p. 17).
Foram objetivos desse estudo descrever e comparar características familiares que favorecem o desenvolvimento dos comportamentos de superdotação. Para tanto, foram formuladas as seguintes questões:
1. Existem diferenças entre alunos superdotados, alunos não superdotados e seus pais (ou responsáveis) quanto a fatores familiares relacionados à comunicação, uso do tempo, ensino, frustração ou satisfação com os comportamentos do filho, necessidade de informação parental sobre temas que auxiliem na educação do filho e expectativas parentais acerca do desempenho do filho?
2. Existe relação entre os níveis de criatividade dos pais e filhos, alunos superdotados e não superdotados e entre os seus pais (ou responsáveis)?

2. MÉTODO

PARTICIPANTES

Participaram do estudo 14 alunos superdotados (5 do sexo feminino e 9 do masculino), 14 alunos não superdotados (9 do sexo feminino e 5 do masculino) e 28 genitores (14 de alunos superdotados e 14 de alunos não superdotados). Os alunos superdotados frequentavam uma sala de recursos do Programa de Atendimento ao Aluno com Altas Habilidades da Secretaria de Educação do Distrito Federal (DF) há 1,8 anos em média. Esta sala estava localizada em área de assentamento urbano de uma Região Administrativa do DF, onde residiam majoritariamente famílias de baixo poder aquisitivo. A idade média dos alunos era de 15,07 anos e variava entre 10 e 19 anos. Oito alunos frequentavam o Ensino Fundamental e seis, o Ensino Médio. Destes, cinco estavam defasados com relação à idade e série. Oito alunos superdotados eram primogênitos, um era unigênito e cinco ocupavam outras posições na família. Dos 14 alunos não superdotados, um era primogênito, cinco eram o segundo filho e oito ocupavam outras posições na família. A idade média desses alunos era de 16,14 anos e variava entre 12 e 20 anos. Dez alunos frequentavam o Ensino Fundamental, e quatro, o Ensino Médio, sendo que destes, oito estavam defasados entre idade e série.
Entre os 14 genitores3 de alunos superdotados, nove eram mães naturais, uma madrasta, uma avó, uma tia e dois pais. A idade média do grupo era de 43,9 anos, variando entre 32 e 68 anos e o nível de escolaridade variava entre analfabetismo e Ensino Médio completo. Oito deles eram donas de casa, três trabalhavam na economia informal e três eram funcionários públicos. Entre os 14 genitores de alunos não superdotados, 12 eram mães naturais, uma mãe adotiva e uma tia. A idade média do grupo era de 43,5 anos e variava entre 32 e 58 anos. O nível de escolaridade variava entre analfabetismo e Ensino Médio Completo. Dessas, cinco eram donas de casa e nove trabalhavam na economia informal ou em serviços domésticos. A renda mensal média das famílias era de R$538,28 (quinhentos e cinquenta e um reais e quarenta e dois centavos) e variou de R$180,00 (cento e oitenta reais) a R$1.000,00 (um mil reais). O salário mínimo vigente à época da coleta de dados era de R$ 200,00 (duzentos reais). A maioria das famílias era assistida por programas de assistência social. Além da renda per capta mensal familiar igual ou inferior a 1 salário mínimo, foram utilizados como critério para inclusão na amostra morar em área de assentamento público e estudar em escola da rede pública de ensino.

INSTRUMENTOS

O Inventário de Sucesso Parental (PSI) tem como objetivo identificar as qualidades e comportamentos favoráveis dos pais na educação dos filhos (STROM; STROM, 1998) e foi traduzido pela primeira autora do artigo. Esse possui duas versões (pais e filhos) e seis subescalas que comparam a percepção dos filhos e pais sobre as atitudes e práticas parentais relacionadas à comunicação, uso do tempo, ensino, frustração, satisfação e necessidade de informação. Cada subescala é composta por questionário do tipo likert com ancoragem de quatro pontos que vai de "concordo totalmente" a "discordo totalmente", na versão dos pais; e de "sempre" a "nunca", na versão dos filhos. São exemplos de itens das subescalas: "Meu pai, mãe ou parente vê o lado positivo das situações", "Converso sobre namoro com o meu (minha) filho(a)", " Permito que meu(minha) filho(a) tome decisões sobre o uso de seu tempo", "Meu pai, mãe ou parente fica frustrado(a) com meus hábitos de estudo". O nível de consistência interna geral do instrumento variou entre 0,88 a 0,96 e o índice para cada subescala entre 0,67 a 0,93 (STROM; STROM, 1998). Este inventário foi utilizado com amostras de minorias étnicas, de superdotados, de imigrantes e de pais de crianças com deficiência mental, tendo demonstrado sua aplicabilidade a variadas culturas e sua eficiência em prover informações que ajudam na compreensão da interação entre a família e a escola (STROM; STROM, 1998).
O Teste do Pensamento Criativo - Produção de Desenhos (TCT-DP) foi desenvolvido por Urban e Jellen (1996) e tem por finalidade avaliar o nível de criatividade, identificar indivíduos com alto potencial criativo, estudar efeitos de exercícios e treinamentos de criatividade e auxiliar em atividades de aconselhamento. O teste consiste numa folha contendo seis fragmentos diferentes que devem ser utilizados de forma livre. O desenho produzido é avaliado de acordo com 14 critérios: (a) continuação, uso ou extensão de elementos; (b) complementação, adição ou suplementação dos elementos; (c) novos elementos, símbolos ou figuras; (d) conexões feitas com linhas ligando qualquer um dos elementos do desenho ou fragmentos; (e) conexões que auxiliam na produção ou composição de um tema; (f) utilização do fragmento que está fora da moldura; (g) ultrapassagem dos limites da moldura; (h) perspectiva ou tentativa de bidimensionalidade; (i) humor, afetividade ou expressividade; (j) manipulação da folha de teste; (l) uso de elementos abstratos, surrealistas ou de ficção; (m) uso de símbolos ou signos; (n) uso não estereotipado de figuras e (o) rapidez ou velocidade para a execução do teste. A validade de construto do TCT-DP foi apresentada por Urban e Jellen (1996) e os resultados da análise fatorial indicaram uma alta carga dos fatores mensurados (0,48 a 0,78). O índice de fidedignidade entre juízes variou de 0,89 a 0,97. O TCT-DP garante um maior ajuste cultural, uma vez que usa a modalidade de desenho e é de fácil aplicação. Além disso, esse teste mostrou-se mais adequado aos objetivos do estudo, uma vez que alguns pais eram analfabetos ou tinham baixo nível de escolarização (URBAN; JELLEN, 1996; MAIA-PINTO; FLEITH, 2004).
Um questionário foi elaborado pela primeira autora do artigo com a finalidade de mapear características demográficas, aspectos das relações sociais e familiares e características pessoais e motivacionais do superdotado e sua família. As questões eram fechadas com opções para completar, exemplo: O que eu mais aprecio, nas horas vagas é, atividades desenvolvidas com o(a) meu(minha) pai, mãe ou responsável, atividades desenvolvidas com o(a) meu(minha) pai, mãe ou responsável, atividades que costumo fazer com frequência, habilidades pessoais - coisas que faço bem ou com facilidade, o que você considera importante para a sua formação futura.

PROCEDIMENTOS

Os alunos superdotados foram convidados oralmente, pela pesquisadora, a participar do estudo, juntamente com seus genitores após reunião ordinária de pais promovida pelos professores da sala de recursos do Programa de Atendimento aos Alunos com Altas habilidades/Superdotação. Os alunos não superdotados frequentavam as mesmas turmas dos alunos superdotados na escola regular e foram convidados oralmente em sala de aula. Aqueles que aceitaram o convite receberam informações detalhadas sobre o procedimento de coleta de dados e seus genitores foram contatados por telefone. Após consentimento por escrito dos responsáveis de ambos os grupos, foram iniciados os procedimentos de coleta de dados. Os instrumentos foram aplicados individualmente em pais e filhos, pela psicóloga do programa, sob a orientação da pesquisadora. A aplicação, com duração média de 40 minutos, foi realizada de acordo com as instruções contidas nos manuais dos instrumentos. Durante esse período, quaisquer dúvidas sobre o preenchimento ou significado de palavras foram esclarecidas. Os instrumentos foram lidos para todos os pais, uma vez que alguns deles possuíam baixo nível de escolarização.

ANÁLISE DOS DADOS

Os dados coletados foram analisados por meio de procedimentos quantitativos inferenciais e descritivos. O teste t foi utilizado para verificar possíveis diferenças entre alunos superdotados, alunos não superdotados e os pais de ambos os grupos de alunos quanto aos escores totais obtidos nas seis subcategorias do PSI (versão dos pais e dos filhos) - comunicação, uso do tempo, ensino, frustração, satisfação e necessidade de informação. A correlação de Pearson foi empregada para avaliar a relação entre os escores de criatividade, medida pelo Teste de Pensamento Criativo - Produção de Desenhos - TCT-DP, dos alunos e pais. Os dados coletados pelo questionário foram analisados por meio de estatística descritiva: média e frequência.

3. RESULTADOS

Os resultados revelaram que a maioria dos alunos superdotados ocupava, na família, a posição de primogênitos e unigênitos. Além disso, 65% destes alunos eram do gênero masculino. O estudo apontou ainda, que quase a metade dos 28 alunos participantes do estudo já haviam sido reprovados pelo menos uma vez em sua trajetória acadêmica e que apresentavam defasagem idade-série.
Com relação ao fator comunicação medido pelo PSI, os resultados indicaram diferenças significativas na percepção do nível de comunicação entre alunos superdotados e seus pais (t[13]=8,454; p=0,001) e entre alunos não superdotados e seus pais (t[13]=8,8,459; p=0,001). Os alunos superdotados avaliaram mais negativamente este fator (M=2,02; DP=0,59) quando comparados a seus pais (M=3,49; DP=0,26). Da mesma forma, os alunos não superdotados (M=1,99; DP=0,63) avaliaram a comunicação entre pais e filhos de forma menos satisfatória do que seus pais (M=3,56; DP=0,30). Sendo assim, pais e filhos possuíam uma percepção diferenciada sobre a quantidade e a qualidade da comunicação parental. Não foram encontradas diferenças entre alunos superdotados e alunos não superdotados (t[13]=0,124; p=0,902) e entre pais de alunos superdotados e pais de alunos não superdotados (t[13]=0,737; p=0,468).
Com relação à quantidade e à qualidade do uso do tempo, os resultados do PSI apontaram para diferenças significativas quanto ao uso do tempo entre alunos superdotados e seus pais (t[13]=3,52; p=0,002) e entre pais dos dois grupos de alunos (t[13]=2,50; p=0,02). Os genitores de alunos superdotados ponderaram o uso do tempo de forma mais positiva (M=3,39; DP=0,32) quando comparados a seus filhos (M=2,87; DP=0,36). Por outro lado, os genitores de alunos não superdotados avaliaram de forma mais satisfatória o uso do tempo (M=3,34; DP=0,32) quando comparados aos pais de alunos superdotados (M=3,03; DP=0,30). Não foram encontradas diferenças significativas entre os alunos superdotados e não superdotados (t[13]=1,094; p=0,284) e entre alunos não superdotados e seus genitores (t[13]=2,502; p=0,20).
Quanto ao uso do tempo, os resultados obtidos por meio do questionário evidenciaram que as atividades semanais realizadas com maior frequência entre pais e filhos superdotados foram: assistir televisão, principalmente novelas e filmes, e conversar sobre temas variados (n>10). Quanto às atividades que envolviam toda a família, sobressaíram entre as famílias com superdotados os passeios ao shopping, zoológico, circo, parque de diversões, cinema e viagens (n>7). Entre as famílias sem superdotados prevaleceram os passeios ao zoológico e parque de diversões (n>10). Com relação ao tipo de atividades individuais, os resultados revelaram que os alunos superdotados estão envolvidos em um leque maior de atividades quando comparados aos demais grupos. As atividades apontadas pelos superdotados foram: assistir televisão, ouvir música, desenhar, estar com amigos, praticar esportes, manipular o computador, montar lego e dançar (n>8). Os alunos não superdotados apontaram como atividades principais nas horas vagas: ouvir música, estar com amigos, esportes e assistir televisão (n>7). Os pais de alunos superdotados apontaram como atividades preferidas: estar com amigos, cuidar de plantas, assistir televisão e ouvir música (n>7). Por outro lado, os genitores de alunos não superdotados informaram como atividades preferidas: cozinhar (n=9), assistir televisão (n=8) e reunir-se com familiares (n=8). Além disso, mais da metade dos alunos superdotados (57,2%) informou passar mais de 5 horas semanais conversando com seus pais, enquanto apenas 21,3% dos alunos não superdotados informaram a mesma quantidade de tempo.
As práticas de ensino implementadas pelos genitores foram avaliadas pelo PSI, apontando para diferenças significativas entre alunos superdotados e seus pais (t[13]=7,684; p=0,0001) e entre alunos não superdotados e seus pais (t[13]=14,775; p=0,0001). Os pais de superdotados (M=3,71; DP=0,29) avaliaram suas práticas mais positivamente do que seus filhos (M=2,04; DP=0,76). O mesmo ocorreu com os pais de alunos não superdotados (M=3,66; DP=0,30) e seus filhos (M=1,61; DP=0,43). Não foram encontradas diferenças entre alunos não superdotados e superdotados (t[13]=1,870; p=0,076), e nem entre pais de alunos superdotados e pais de alunos não superdotados (t[13]=0,516; p=0,610).
Com relação ao nível de satisfação parental, os resultados apontaram para diferenças significativas entre alunos superdotados e seus pais (t[13]=9,536; p=0,0001) e alunos não superdotados e seus pais (t[13]=9,446; p=0,0001). Os genitores de superdotados (M=3,48; DP=0,42) avaliaram a satisfação parental em relação a comportamento dos filhos de forma mais positiva do que seus filhos (M=1,91; DP=0,43). O mesmo ocorreu entre os genitores de alunos não superdotados (M=3,44; DP=0,36) e seus filhos (M=1,92; DP=0,47). Não foram observadas diferenças significativas entre alunos superdotados e não superdotados (t[13]=0,038; p=0,970) e entre pais de alunos superdotados e pais de alunos não superdotados (t[13]=0,265; p=0,794). Não foram encontradas diferenças significativas entre os quatro grupos pesquisados com relação à frustração parental (veja Tabela 1) e necessidade parental de informação sobre temas que auxiliem na educação do filho (veja Tabela 2).
Os resultados associados aos escores de criatividade indicaram que não há correlação entre os desempenhos entre superdotados e seus pais no teste de criatividade (r=0,08; p=0,77) e nem entre pais e filhos não superdotados (r=0,39; p=0,15). Entretanto, ficou evidenciado que tanto os alunos superdotados quanto os não superdotados apresentaram desempenho superior (M=28,39; DP=13,70) quando comparados aos seus pais (M=15,60; DP=9,62). Por outro lado, não foram encontradas diferenças significativas nos escores obtidos no teste de criatividade (t[27]=0,17; p=0,86) entre pais de alunos superdotados (M=15,14; DP=9,62) e não superdotados (M=15,92; DP= 9,01). Todavia, os resultados demonstraram diferenças significativas entre os alunos dos dois grupos quanto aos escores de criatividade, (t[27]=3,28, p=0,006). Os alunos superdotados apresentaram desempenho superior no teste de criatividade (M=35,78; DP=11,24) quando comparados aos alunos não superdotados (M=21,00; DP=12,07).

4. DISCUSSÃO

Os resultados encontrados quanto à posição na família corroboram a literatura que têm sugerido que crianças superdotadas e adultos eminentes ocupam, tipicamente, a posição de primogênitos ou filhos únicos na família (RODGERS, 2001; SIMONTON, 2002; WINNER, 1998; ZAJONC, 2001). Para Downey (2001) e Zajonc (2001), os investimentos parentais assumem dimensões diferenciadas de importância ao longo da vida e a quantidade de filhos demanda uma rede de apoio social que pode impactar o desenvolvimento intelectual. Eles argumentam que cada nascimento afeta as decisões parentais com relação ao tipo de provimento necessário ou obrigatório para o bem-estar de cada filho, o que pode gerar competição pelas melhores oportunidades ou o direcionamento desses recursos e oportunidades para os indivíduos que detêm a responsabilidade social ou cultural de manter o patrimônio da família. Sendo assim, alunos superdotados provenientes de famílias com prole numerosa podem encontrar e ter de superar barreiras adicionais para o desenvolvimento de suas habilidades superiores e talento.
Quanto ao gênero predominantemente masculino de alunos superdotados participantes desse estudo, resultados semelhantes foram encontrados por Maia-Pinto (2002, 2004) e Aspesi (2003) com amostras de alunos atendidos em salas de recursos de outras cidades satélites do Distrito Federal. Algumas possíveis hipóteses para explicar essa discrepância podem estar relacionadas às expectativas e estereótipos sociais ligados ao gênero, a negação do talento por parte de adolescentes do gênero feminino, como forma de adequação ao grupo e o processo de indicação dos alunos. Como a maioria dos alunos foi indicada por professores e a docência é exercida, na educação básica, quase que exclusivamente por mulheres, é possível que a percepção do talento feminino seja enviesada e as habilidades até certo ponto sejam banalizadas pelas professoras em função de expectativas diferenciadas de desempenho entre meninos e meninas. Outros pesquisadores como Reis (1997; 2002) e Siegle e Reis (1998) ressaltam a necessidade de serem traçadas estratégias educacionais específicas para o mapeamento e o desenvolvimento do talento feminino.
Com relação aos resultados encontrados sobre a defasagem idade-série, o Censo Escolar (BRASIL, 2007) indica que os maiores índices de reprovação e abandono, no Distrito Federal, são de alunos de escolas localizadas em cidades satélites e áreas de assentamento urbano devido concentração maior de população de baixa renda. Dessa constatação, emerge a necessidade da escola considerar as diferenças culturais, sociais e individuais de cada aluno, uma vez que muitas das dificuldades de aprendizagem apresentadas por alunos de nível socioeconômico desfavorecido podem decorrer da não acomodação desses alunos aos padrões estabelecidos pela escola (PATTO, 1999).
Nesse sentido, é preciso levar em consideração algumas características próprias de alunos superdotados oriundos de grupos minoritários e de ambiente socioeconômico desfavorecido como sentimento de inadequação, tensão física, rebeldia e resistência a regras sociais instituídas pelos professores, tendência excessiva a crítica, aparente falta de motivação e apatia frente às atividades escolares, impaciência, baixa habilidade de escuta e a natureza pragmática das atividades executadas em casa, que podem levar ao desencorajamento da fantasia (DAVIS; RIMM, 1998; FRASIER; GARCIA; PASSOW, 1995; PASSOW, 1996; WHITMORE, 1980).
Diante disso, ressaltamos a adequação dos processos de identificação e encaminhamento adotados pelo Programa de Atendimento ao Aluno Superdotado no Distrito Federal, cujas características favorecem a identificação desses indivíduos, por se tratar de processo flexível, interdisciplinar, dinâmico e contextualizado, no qual o aluno é observado nas atividades promovidas na sala de recursos, paralelamente a aplicação de instrumentos que avaliam habilidades cognitivas e características afetivas imprescindíveis para o atendimento das demandas peculiares do superdotado. No entanto, é preciso maior investimento em infraestrutura e suporte social (transporte, bolsas de estudo, estágio remunerado na área do talento identificado, subsídios para compra de materiais e desenvolvimento de projetos, merenda escolar) visando garantir a manutenção desses alunos no Programa.
Com relação às categorias avaliadas pelo Inventário de Sucesso Parental - PSI, os resultados evidenciaram que pais e filhos percebem de forma diversa a quantidade e a qualidade da comunicação, uso do tempo, prática de ensino e satisfação parental. Os filhos avaliaram tais aspectos de forma mais negativa que os pais, talvez movidos por suas expectativas em torno da participação dos pais em suas atividades diárias ou no suprimento de necessidades próprias da adolescência, período de transição em que a maioria dos filhos se encontrava. Pode-se deduzir, ainda, que os genitores foram mais propensos a responder o inventário de acordo com a desejabilidade em torno de seu papel social. Por outro lado, as diferenças constatadas entre as famílias giravam em torno das práticas e estilos parentais, em termos da participação na vida acadêmica dos filhos e do fator ensino medido pelo PSI.
Esses resultados indicam uma maior participação dos pais de alunos superdotados na vida acadêmica de seus filhos, o que encontra consonância com outros estudos (CHAGAS, 2007; CHAGAS; FLEITH, 2006; PARKER et al., 1999; WEISSLER; LANDAU, 1993a, 1993b). Os resultados de um estudo longitudinal conduzido por Feldman (1991) assinalaram que as diferenças entre famílias com prodígios e famílias comuns emergem dos padrões de atividades familiares, conjunto de prioridades, locação de recursos e proporção de energia que os membros da família despendem e canalizam para a educação e formação do superdotado.
Os alunos superdotados informaram envolvimento em maior quantidade de atividades durante o tempo livre quando comparados aos alunos não superdotados, confirmando resultados encontrados na literatura, que admitem que os alunos superdotados têm uma propensão a envolver-se com múltiplas atividades em função de seus interesses diversificados e sua hiperexcitabilidade (O'CONNOR, 2002; SILVERMAN, 2002; WINNER, 1998).
Ainda nesta direção, pode-se inferir a influência dos ambientes não-compartilhados sobre o desenvolvimento do superdotado, uma vez que este está envolvido em experiências que os demais membros da família não compartilham, na sala de recursos, em suas horas de lazer e em outras atividades extracurriculares. Segundo Simonton (2002), o ambiente não compartilhado é responsável por tudo o que não pode ser atribuído à hereditariedade, motivo pelo qual os irmãos são tão diferentes, mesmo convivendo juntos na mesma casa e com os mesmos pais.
Quanto à ausência de relação entre os níveis de criatividade dos pais e dos filhos superdotados e não superdotados, os resultados corroboram a literatura, uma vez que até o momento, não foram encontradas evidências que relacionem esses níveis. Em geral, os pesquisadores concordam que existe relação entre clima ou ambiente familiar e criatividade e características ligadas à inteligência (HUDSON; STINNET; LEEPER, 1990).
Por outro lado, ao contrário do resultado obtido entre pais e filhos quanto aos níveis de criatividade, os alunos superdotados demonstraram nível superior de criatividade quando comparados aos alunos não superdotados, o que também confirma a literatura na área, que aponta a criatividade como um dos fatores que caracteriza e diferencia o superdotado de seus pares (ALENCAR; FLEITH, 2001; RENZULLI; REIS, 1997). Entre as principais características de superdotação associadas à criatividade, pode-se destacar: fluência e flexibilidade de ideias, originalidade, pensamento divergente, original e inovador, motivação intrínseca e extrínseca, inconformismo, tolerância à ambiguidade, autonomia, preferência por situações de risco, senso de humor e sensibilidade acentuados (ALENCAR, 2001; CHAGAS, 2007; FLEITH, 2001).
Podemos concluir, com base em nossos resultados, que as famílias com e sem superdotados diferem entre si, principalmente, com relação às práticas parentais em termos de (a) atenção centrada nos interesses e na vida acadêmica dos filhos, (b) maior interatividade entre os membros da família em termos da comunicação de expectativas e tempo despendido em bate-papos e (c) envolvimento em atividades conjuntas. Apesar das famílias investigadas viverem em ambiente socioeconômico desfavorecido e terem genitores com baixo nível de escolaridade, as famílias com superdotados apresentaram características semelhantes às famílias de classe média no que diz respeito à prioridade atribuída à educação dos filhos.
Para pesquisas futuras recomenda-se (a) a investigação do impacto dos valores e crenças familiares sobre a superdotação entre as gerações e dos efeitos da adversidade e privação social (como, por exemplo, a maior exposição a eventos violentos, pobreza, doenças e morte) sobre o desenvolvimento do talento e dos comportamentos de superdotação, (b) a identificação de fatores e estratégias que possam auxiliar no processo de indicação e atendimento de alunos oriundos de ambientes desfavorecidos socialmente e de minorias étnicas (RICHERT, 1996) e (c) a observação e descrição de comportamentos resilientes desenvolvidos por superdotados provenientes de ambientes socioeconômicos desfavorecidos ou de grupos minoritários que favoreçam o desenvolvimento dos talentos. Apresentamos, ainda, como uma das limitações desse estudo, o tamanho da amostra que torna pouco generalizável os seus resultados.

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