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“Genialidade e Superdotação”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Por:
repórter Daniele Fanelli, em 2007 (25 anos após o surgimento da TIM).
“Não deveria valer apenas a nota
tirada na prova de matemática,
mas o respeito pelo outro e o tipo de ser humano que nos revelamos” - Howard
Gardner
© LARRY
GOODE/GETTY IMAGES; FOTO AUTOR © JERRY BAUER/AFP
O ser humano tem muitos tipos de inteligência. A
hipótese do psicólogo Howard Gardner, formulada em 1982, o tornou conhecido
mundialmente. Passados 25 anos, ele sustenta haver, além das reconhecidas
habilidades lingüística e lógico-matemática, outras seis formas de
inteligência: espacial (mais presente em navegantes e engenheiros);
corporal-cinestésica (desenvolvida em atletas ou dançarinos); interpessoal
(representada pela capacidade de compreensão dos sentimentos do outro);
intrapessoal (expressa pelo autoconhecimento); naturalística (referente à
relação da pessoa com a natureza) e musical. Professor da Universidade Harvard,
Gardner é considerado um dos “demolidores” do conceito de quociente de
inteligência (QI). Suas teorias, entretanto, têm pequena aceitação entre
neurobiólogos. Resenha publicada recentemente na revista Educational
Psychologist menciona a insuficiência de comprovação empírica. A possibilidade
de medir a inteligência pela aplicação de testes simples parece ser um critério
para validação das hipóteses.
Artigo publicado em 2004 pela revista Nature
Neuroscience relacionava o desenvolvimento de competências a fatores
socioeconômicos e a aspectos biológicos como dimensões do cérebro, duração da
memória de curto prazo, velocidade de transmissão sináptica e metabolismo
neuronal. No mesmo ano foi observada correlação entre o QI de bebês e a
velocidade de crescimento do córtex cerebral. Tais descobertas não parecem
perturbar o prolífico Gardner, que tem sua teoria aplicada com eficácia em
escolas de todo o mundo. Nesta entrevista, ele declara-se mais interessado em
estimular virtudes e talentos humanos do que em medi-los.
Mente&Cérebro: O senhor poderia resumir sua
teoria da inteligência múltipla?
Howard Gardner: A visão tradicional a respeito da inteligência,
que prevalece há centenas de anos, sustenta que em nosso cérebro existe um
único computador, de capacidade muito geral. Quando funciona bem, a pessoa é
inteligente e capaz de destacar-se em qualquer atividade. Se o desempenho for
apenas razoável, o portador consegue resultado satisfatório em diversas
circunstâncias. Mas se funcionar mal, o dono desse equipamento é um tolo, incapaz
de estabelecer relações coe-rentes. Discordo disso tudo. Creio que a relação
cérebro-mente pode ser descrita como um conjunto de oito ou nove sistemas
distintos de elaborações fundamentais. Um deles pode atuar muito bem enquanto
outro apresenta rendimento mediano e um terceiro funciona mal.
Qualquer observador admitiria que na patologia há
fenômenos que sustentam minha hipótese. Existem pessoas dotadas de grande
talento artístico ou com habilidade para números e xadrez que, no entanto, são
incapazes de compreender os outros e manter relacionamentos. A medicina oficial
as considera casos patológicos, mas eu sustento que esses fenômenos são
normais.
M&C: Vejamos um exemplo: como o senhor avalia a sua
mente?
Gardner: Com base na teoria da inteligência múltipla eu
sou, certamente, do tipo lingüístico-musical. Minha lógica é boa, mas jamais
fará de mim um matemático. Fisicamente não sou nada especial e sou medíocre na
inteligência espacial, mas me viro bem com um mapa. A inteligência
interpessoal, diferentemente de outras, pode ser melhorada. Assim, espero
continuar aprimorando minha capacidade de compreender outros.
M&C:Uma das principais objeções à sua teoria é a
impossibilidade de medir as oito formas de inteligência.
Gardner: Se eu estivesse de fora observando meu trabalho, é
provável que dissesse a mesma coisa. Trata-se de uma crítica bem razoável. Mas
estou certo de que, se minhas idéias forem um dia levadas a sério, algum
pesquisador desenvolverá instrumentos capazes de medir as várias inteligências.
Mas para mim isso jamais foi uma prioridade. Não me dediquei ao tema. Robert J.
Sternberg [pai da teoria “triárquica”, segundo a qual a inteligência se
manifesta em três modalidades distintas: analítica, criativa e prática] tentou
fazê-lo no âmbito de sua pesquisa, mas os resultados não me pareceram muito
convincentes. Posso deduzir que ou suas teorias são equivocadas, ou medir as
diversas inteligências humanas é tarefa mais complicada do que parece.
M&C: Mas a psicometria clássica faz medições. As
pontuações que a pessoa obtém nos diversos testes verbais e lógicos estão correlacionadas,
o que sugere a existência de uma inteligência “geral”. O QI está vinculado a
diversos parâmetros biológicos. O que o senhor pensa sobre isso?
Gardner: Levo a sério essa questão e, se tivesse de
reescrever meu livro sobre a inteligência múltipla, trataria mais do tema. Mas
há fenômenos que esses estudos não explicam, em particular as razões que nos
tornam tão diferentes uns dos outros. Um cientista pode passar a vida tentando
acumular provas da existência de uma inteligência geral, mostrando como esta se
correlaciona a este ou aquele fator; ou pode tentar explicar por que as pessoas
têm habilidades tão diversas, quais as causas dessas diferenças e a que servem.
M&C: Mas as duas coisas não se contradizem. Podemos
fazer uma analogia com os músculos do corpo, que se desenvolvem de forma
desigual em cada pessoa. Isso não impede que algumas pessoas possuam – graças à
combinação de genes, alimentação e exercícios físicos – estrutura muscular bem
mais desenvolvida e potente que outras. Nem todos podem se tornar um
Schwarzenegger. O que vale para os músculos não poderia valer para os
neurônios?
Gardner: Tenho a mente aberta em relação à questão. Caso eu
viva mais 30 ou 40 anos e a ciência identifique uma propriedade biológica
fundamental – por exemplo, a velocidade de transmissão nervosa ou a
plasticidade das conexões entre os neurônios – que explique uma parte maior ou
menor das diferenças de inteligência, estarei pronto a rever meu pensamento. Mas
isso não esclarece as razões para alguém ser mais capaz em certos setores que
em outros. A resposta pode ser simplesmente que a vida humana não é infinita,
e, portanto, não podemos ser excelentes em tudo. Penso que a explicação mais
plausível esteja na predisposição genética e nas experiências infantis capazes
de “estimular” e potencializar um dos computadores mentais de que dispomos. Um
gênio poliédrico como Leonardo da Vinci é exceção, e não regra. E devemos
explicar ainda a origem das diferenças nos perfis e talentos.
M&C: O senhor usa os termos “inteligência” e
“talento” como sinônimos. Mas, para a maioria das pessoas, esses termos se
referem a conceitos bem distintos.
Gardner: De fato. Mas, ao privilegiar o termo
“inteligências” em vez de “talentos” ou “habilidades”, fiz um movimento
retórico importante. Todos reconhecem a existência de diferentes talentos e
habilidades humanas, e provavelmente eu não estaria aqui sendo entrevistado se
tivesse usado essas palavras em vez de “inteligências”.
M&C: O que o senhor entende por inteligência?
Gardner: O ponto é que a definição de inteligência não é
óbvia. Trata-se de algo debatido por estudiosos e leigos. Segundo minha
análise, os pesquisadores orientados pela cultura escolástica se concentraram
nas habilidades verbais e lógicas, denominando as “inteligência”. É uma questão
de retórica e lingüística. Não é “a” resposta correta. As pessoas com bom desempenho
em línguas e lógica são, em geral, bons alunos, e nós as classificamos
inteligentes. Nada tenho contra isso, desde que se fale em “inteligência
escolástica”. Se, porém, sairmos da escola e estudarmos a inteligência de
arquitetos, bailarinos ou comerciantes, descobriremos que podem ser excelentes
naquilo que fazem, independentemente do desempenho escolar. Se os homens de
negócio tivessem inventado o QI, a avaliação mediria, provavelmente, atitude em
relação a risco, iniciativa e capacidade de vender. Nenhuma dessas coisas é
medida pelos testes clássicos de inteligência.
M&C: Mas isso não ameaça relativizar o conceito de
inteligência, esvaziando-o de seu significado intuitivo e científico?
Gardner: A ciência não deve, necessariamente, reforçar o
senso comum, muitas vezes equivocado. Minhas pesquisas, além disso, atingem o
campo das ciências sociais, diferentes da física ou da biologia, justamente
porque devem sempre elucidar os próprios conceitos, propondo definições novas e
mais adequadas. O filósofo Bertrand Russell disse certa vez que as idéias de
todos os grandes pensadores podem ser resumidas em uma ou duas frases: o que os
torna notáveis é a estrutura argumentativa que criaram para sustentar as
afirmações e defendê-las das críticas. Se eu transmitir às pessoas apenas o
conceito de que, além da escolástica, existem outras formas de inteligência, já
será um enorme progresso. Creio que já alcancei algo nesse sentido. Mas Daniel
Goleman conseguiu ainda mais, pois seu conceito de “inteligência emocional” tem
apelo intuitivo, aludindo às experiências do cotidiano, sobretudo no mundo do
trabalho. O gerente de uma empresa pode ter a mente perfeitamente organizada e
revelar-se um desastre para motivar funcionários. A diferença entre nossas
pesquisas é que estabeleci oito critérios a serem atendidos por uma suposta
inteligência (ver quadro na pág. 36).
M&C: Há poucos anos o senhor identificou a
existência de uma oitava inteligência, a naturalística. Pensa em acrescentar
outras?
Gardner: Escrevi bastante a respeito da possibilidade de
uma inteligência moral. Até há pouco tempo era cético quanto a isso, mas mudei
de idéia depois de algumas leituras, em particular o livro escrito pelos
neurobiólogos Jean-Pierre Changeaux e Antonio Damásio. Avalio a possibilidade
de uma inteligência existencial, mas o problema é saber se é diferente de
qualquer outra capacidade filosófica. Se não for, poderá ser explicada pelas
inteligências lingüística e lógica. As provas nesse sentido ainda não são
conclusivas.
M&C:Haveria em nosso DNA genes que a seleção natural
favoreceu, proporcionando assim a inteligência naturalística ou a existencial?
Gardner: Certamente. Há genes para a inteligência
naturalística e, provavelmente, para todas as formas de inteligência que
menciono. Creio, porém, que cada um desses tipos possui subcomponentes. Na
inteligência lingüística, por exemplo, não haveria só um gene, mas centenas.
Alguns deles podem predispor às línguas estrangeiras, outros, à poesia e assim
por diante. Mas se dissesse em meus livros que há 500 inteligências, ninguém me
levaria a sério.
M&C: Falemos de seu último livro, Five minds for the
future. O senhor descreve com precisão as cinco mentes que devemos desenvolver
para viver na futura sociedade: sintética, respeitosa, ética, disciplinada e
criativa. Que mentes não deveríamos cultivar?
Gardner: Ninguém me havia feito esta pergunta até agora. No
livro falo, sobretudo, do mau uso que se pode fazer de cada tipo de mente. Temo
particularmente e penso que não deveríamos cultivar a mente fundamentalista,
aquela determinada a não mudar de idéia sobre as coisas. É uma postura muito
mais comum do que pensamos. Basta perguntar a alguém se recentemente mudou de
idéia a respeito de algo. Provavelmente dirá que sim, mas se pedirmos um
exemplo, terá dificuldade em responder. Sem perceber, nos aferramos facilmente
a nossas convicções.
M&C: Permita-me uma provocação. O que o senhor diz é
sem dúvida correto. Qualquer um concordaria que é bom ser mais disciplinado,
respeitoso, razoável e assim por diante. Qual é, assim, a novidade da mensagem
de seu livro?
Gardner: É uma pergunta legítima. Objetivamente, há
aspectos da natureza humana sobre os quais é difícil hoje dizer algo de
original. Esses temas, entretanto, devem ser reapresentados para cada nova
geração de forma que lhe pareçam compreensíveis e sensatos. Creio ser
importante fazer isso, sobretudo porque hoje se fala da mente quase que apenas
do ponto de vista cognitivo. Em vez disso, eu falo de respeito, ética e
educação em um sentido mais clássico. Não deveria valer apenas a nota tirada na
prova de matemática, mas o tipo de ser humano que nos revelamos. Em segundo
lugar, é verdade que o respeito sempre foi considerado qualidade desejável, mas
na era da globalização, num mundo em que os povos podem facilmente se destruir,
trata-se de algo indispensável.
M&C: Por qual de seus estudos o senhor gostaria de
ser lembrado no futuro?
Gardner: Sou conhecido como “o fulano da bizarra idéia sobre
inteligência”, mas gostaria que as pessoas recordassem a pesquisa sobre ética
profissional que realizo há 15 anos e que se tornou um estudo sobre a
confiança. Não sei se no futuro me darão crédito em relação a esse trabalho,
mas não importa, pois estou totalmente convencido de que é indispensável. O
domínio cultural exercido pelo mercado nos Estados Unidos está arruinando o que
há de mais precioso no ser humano. Os americanos acabarão por destruir a si
mesmos e provavelmente ao mundo, pois ignoram qualquer aspecto da vida que não
seja comercializável. E porque pensam que, se fizerem uma prece todo domingo de
manhã, terão indulto para arruinar qualquer habitante do planeta nos outros
seis dias e meio.
Estudando a ética e o sentimento de confiança,
gostaria de chamar atenção para coisas antes importantes que hoje não têm mais
valor. De fato, a pergunta que você me fez é equivocada. A correta seria: por
que as coisas de que falo, que todos deveriam saber, foram esquecidas?
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