segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

DA MELANCOLIA À DEPRESSÃO: GENIALIDADE VERSUS LOUCURA


Blog “Genialidade e Superdotação”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.



Autoria:

1 - Marco Antônio Rotta Teixeira – UNESP. Psicólogo, mestrando pela FCL UNESP–ASSIS.

2 - Francisco Hashimoto – UNESP. Professor livre-docente do Curso de Psicologia da FCL UNESP–ASSIS.


RESUMO


Uma das principais formas de manifestação do sofrimento psíquico presente no final do século passado foi a depressão, tendo ficado comum se referir a tal período como “era das depressões” (ROUDINESCO 1998, 1999) em comparação ao final do século XIX que fora marcado pela histeria. Muitos estudos se dedicaram a compreender a depressão e nota-se claramente duas correntes oriundas do século XIX que se desenvolveram concomitantes no século XX: a psicanálise e a psiquiatria. A primeira, iniciada por Freud, tem seus estudos dirigidos aos conflitos psíquicos e aos processos mentais relacionados, com ênfase aos aspectos psicogênicos. Já a psiquiatria, representada por Pierre Janet, enfatiza a dimensão orgânica e alimenta a visão biológica da depressão. Seguindo a tradição Kraepeliana, os psiquiatras põem ênfase em um déficit ou insuficiência orgânica e biológica, muitas vezes, uma deficiência inata.

Adotam ainda a observação e descrição de síndromes e enumeração de sintomas, o que poderia dirigir suas estratégias terapêuticas. Desta forma apostam na terapêutica farmacológica, através da administração de antidepressivos que regulam a produção de neurotransmissores. (PERES, 2003). Moreira (2002) afirma que na psiquiatria atual há uma tendência em se usar o termo depressão como sinônimo e em substituição ao termo melancolia. Em um estudo sobre a depressão, Berlinck & Fédida (2002) mostram que as recentes publicações psiquiátricas tendem a dissolver a melancolia na depressão e que aquilo que no passado era chamado de melancolia hoje é denominado de depressão. A depressão então, de acordo comestes autores, seria apenas uma nova roupagem para o que nos séculos passados, era chamado de melancolia. (MOREIRA, 2002; PERES, 1996, 1999, 2003; DELOUYA, 2001, RODRIGUES, 2000). Na corrente psicanalítica estabeleceu, uma distinção entre a melancolia e depressão: a depressão seria um estado mais brando e  estaria presente nas neuroses de uma forma geral, sendo ela o foco principal ou não da patologia. Já a melancolia seria uma forma aguda e acentuada de um estado depressivo presente nas psicoses (PERES, 2003). Mesmo com a depressão tendo ganhado atenção do desenvolvimento científico no século XX, Moreira (1992) afirma que a bibliografia sobre o tema depressão-melancolia é fértil em afirmar a falta de consenso e a diversidade de definições. Segundo a autora a dissolução do termo melancolia no termo depressão produziu uma “invisibilidade da melancolia”. Seguindo as indicações de Moreira e Berlinck, este trabalho pretende retornar as origens da melancolia, desde seu primeiro aparecimento na Grécia antiga para compreender como se sucedeu  tal problemática no século XX.

Melancolia é o termo mais antigo para a patologia dos humores tristes. Entretanto a melancolia nem sempre esteve sob o domínio do campo psiquiátrico ou psicanalítico. O termo melancolia e suas diferentes formas de uso estão relacionados com sua história: o termo é muito antigo, anterior ao advento das ciências modernas. Suas origens remontam à Grécia antiga, alguns séculos antes de Cristo, época em que arte, tragédia e filosofia se encontravam. Nas obras de arte, nos escritos literários, nos textos da antiga filosofia com Aristótelese nos textos da pré-história médica, daquele que é considerado o pai da medicina – Hipócrates. Também na bíblia encontramos a presença da melancolia, a velha imortal, que resistiu aos tempos, arrolou-se pelos séculos, habitou os velhos mosteiros, passeou pelas terras medievais, presenciou o nascimento das grandes cidades, sucedeu a terrível peste negra, adentrou o renascimento, foi musa do romantismo e resistiu forte até meados do século XIX, período em que foi substituída pela depressão. (SCLIAR, 2003)

Viajemos de volta no tempo, guiados por Scliar (2003) e Peres (1996, 1999, 2003), para acompanharmos a trajetória da melancolia, desde sua origem: oriente médio, Israel. Nós a encontramos nos textos da Bíblia, antigo testamento cerca de 900 a. C. A melancolia aparece, de maneira mais notável em Saul, o “melancólico” rei de Israel, nomeado por Samuel. Porém, Scliar (2003, p.64) nos adverte: “Melancólico é o adjetivo que mais comumente se aplica a ele (não, porém no texto bíblico: o termo só surgiria  séculos depois)” (SCLIAR, 2003, p.66).

Do oriente médio para o mundo grego da era clássica, o sofrimento melancólico é encontrado na Ilíada (cerca de 850 a. C.) de Homero, na descrição do sofrimento do herói Belero fonte (canto IV, versos 200-203) que foi condenado a vagar na solidão e desespero (PERES, 1996, 2003). No século V a. C., a melancolia se apresenta nos escritos de Hipócrates de Cós(460-377 a. C.), considerado o pai da medicina: é a ele atribuído a origem daquele termo, que é definido  “como um estado de tristeza e medo de longa duração” (GINZBURG, 2001; SCLIAR, 2003, p. 68-69). A melancolia aparece em Hipócrates diferenciada em endógena – aquela que aparece sem motivo aparente – e exógena, surge em resultado de um trauma externo. Nas palavras de Scliar: “A melancolia, sintetizou o “pai da medicina”, é a perda do amor pela vida, uma situação na qual a pessoa aspira à morte como se fosse uma bênção.” (2003, p.70) É através da “teoria dos humores” que Hipócrates explica a melancolia. O temperamento dependia do equilíbrio de quatro humores básicos no corpo. O acúmulo de algum dos elementos dos humores resultava no predomínio de determinado temperamento. Finalmente a bílis negra, representava o outono, e como a terra, era fria e seca, tornando-a hostil a vida e podendo ocasionar a melancolia, uma doença resultado do acúmulo de bílis negra no baço. A teoria da bílis negra como causadora da melancolia irá, como veremos adiante, transpor os séculos nos escritos de diversos pensadores, ainda que com variações. Importante destacar que na concepção de  Hipócrates,  a melancolia é apresentada como uma doença (GINZBURG 2001, SCLIAR, 2003; PERES, 1996)

É da teoria da bílis negra que se cunha o termo melancolia. Este é derivado do grego melas(negro) e  kholé (bile) que corresponde à transliteração latina  melaina-kole(KRISTEVA, 1989; RODRIGUES, 2000; ROUDINESCO & PLON, 1998). Ainda na Grécia Antiga, poucos séculos antes de Cristo, a melancolia é a protagonista em um tratado de Aristóteles(384-322 a.C.), a “Problemata 30”. Neste tratado há uma interessante relação, referente a melancolia, entre a  genialidade e a loucura.

Segundo Aristóteles existe um tipo de melancolia natural que devido a ação da bílis negra tornaria seu portador genial. A melancolia é colocada como condição de genialidade, responsável por capacidades distintivas; neste tratado muitos heróis  míticos e filósofos são considerados melancólicos. A criação e a melancolia ficam associadas: o homem triste é também um homem profundo. Os melancólicos são homens excepcionais por natureza e não por doença, concepção que difere de  Hipócrates.Essas duas concepções opostas, a hipocrática e aristotélica, marcaram o pensamento ocidental moderno  sobre a melancolia, de modo que as reflexões sobre o tema estão ligadas a estas basesantigas. (GINZBURG, 2001; SCLIAR, 2003; PERES, 1996).

No mundo clássico a melancolia continua presente nos escritos de  Aulus Cornélius Celsus(25a.C.–50d.C.) que recomenda a exposição ao sol para o tratamento da melancolia. Rufus de Éfiso(98-117) também considerava que a melancolia era originada pela  bílis negra (SCLIAR, 2003).  Galeno de Pérgamo(129-200) compartilhava com as visões de seus antecessores em relação a melancolia.

A medicina árabe dos séculos IX e X influenciaram a medicina ocidental até a renascença. Os autores árabes estabeleceram uma relação entre a teoria dos humores de Hipócratese astrologia. O humor melancólico é ligado a influência de saturno, que no corpo humano governava o baço, sede da bílis negra. Vem daí a qualificação humoral de soturno, que designa a pessoa triste, sombria, e silenciosa, expressão  esta que se tornou sinônimo de melancólico. A influencia de Saturno não se exercia porém,  em pessoas vulgares, mas sim em pessoas extraordinária: fica assim mantida a ligação aristotélica entre melancolia e genialidade (SCLIAR, 2003; PERES, 2003).

Na idade média, no séc XII, o estudo da melancolia tem como principal representante, a escola de Salermocom sua doutrina dos temperamentos. A teoria da melancolia, nesta época aparece também vinculada à ciência árabe e à astrologia, onde Saturno é tido como o astro que guia e governa o melancólico.  Constantinus Africanus (1010- 1087), traduziu para o latim a partir do árabe Hipócrates e  Galeno, conservando assim as concepções destes autores nesta época.

Na renascença a melancolia tornava o homem capaz de produção intelectual e artística, havia ainda presença da concepção aristotélica, que concebia a genialidade aliada à condição daquele estado. No século XVI, época da primeira aparição  da palavra psicologia e do crescente interesse pelo estudo da mente, a melancolia – como uma doença – começa a ser estudada abundantemente por médicos e pensadores. As fronteiras entre medicina e filosofia eram tênues, entretanto, o conceito de melancolia era mais filosófico.

Ainda predominava a teoria dos humores, que segundo Scliar (2003, p.78) constituiu-se em uma “metáfora poderosa”: “a teoria humoral permaneceu praticamente intocada durante quatorze séculos”. Na verdade as teorias da época seguiam duas correntes: os adeptos da corrente aristotélica, que colocavam a melancolia como condição de erudição, genialidade e dotes para a arte; e os da corrente hipocrática ou galênica, caracterizando a melancolia tão somente por um distúrbio de humores.

Portanto não havia um consenso a respeito da melancolia como doença. Questão que sofrerá profundas mudanças com o  advento da ciência mental, como veremos mais adiante. Da vita tríplice – manual escrito pelo renascentista  Marsilius Ficinus (1433-1499), médico, filósofo, mago, astrólogo e, melancólico - reunia quatro teorias sobre a melancolia: a hipocrática (teoria dos humores), a platônica (poesia e furor), a astrológica (Saturno e melancolia) e a aristotélica (melancolia e genialidade). Este estudioso considerava a melancolia um grande tormento, mas também uma grande oportunidade para os homens de estudo. Lutero, na Reforma, instala a melancolia entre os grandes homens impossibilitando a expiação da culpa pelas ações. O barroco é dominado pelo espírito melancólico, herança de dois milênios, predominando neste universo o ensimesmamento, a autocontemplação e a culpabilização. (PERES, 1996, 2003).

Vai havendo uma modificação, onde no séc. XVIII a melancolia é analisada pelas qualidades: inibição, solidão, amargura e tristeza. No romantismo, a melancolia foi marca constante, movimento no qual o termo designava o amor pelos aspectos selvagens e melancólicos da natureza. Segundo esta visão a melancolia é atributo de valor: seu estado é valorizado, algo que nos remete diretamente a tese aristotélica (GINZBURG, 2001; PERES, 1996, 2003).

Nos fins do século XVII e início do XVIII, começam os estudos das perturbações mentais pela antiga medicina. Já no fim do século XVIII, a melancolia é considerada uma patologia delirante. Neste momento a melancolia passa também a  ser alvo de estudo dos alienistas e é apropriada pela ciência médica. Jean-Étienne Esquirol (1772-1840), cunhou na França o termo lipomania ou mono-mania triste (lypémanie  emono-manie), para definir a melancolia: tristeza, abatimento e desgosto de viver, acompanhados  por um delírio em uma idéia fixa. Posteriormente a melancolia foi aproximada da mania sob o nome de loucura circular por Jean-Pierre Falret (1794-1870). Na Alemanha,  Emil Kraepelin (1856-1926) integrou a melancolia à insanidade maníaco-depressiva, dentro da seção daspsicoses, fundindo-se mais tarde à psicose maníaco-depressiva. Kraepelin continuou a usar o termo melancolia e seus subtipos, utilizando o termo depressão para descrever afetos. (AMARANTE, 1996; FARINHA, 2005; PERES, 2003)

Com o desenvolvimento científico, no século XIX, começou-se uma preferência pelo termo depressão em detrimento do termo melancolia. O termo depressão entrou em uso na psiquiatria européia por volta do séc. XVIII, vindo do francês a partir do latim,  de-premere, que significa pressionar para baixo. No início, seu uso foi introduzido em associação ao termo melancolia (DELOUYA, 2001). Segundo Moreira (2002), e também Delouya (2002), a substituição do termo melancolia pelo termo depressão, se deveu a uma tendência na psiquiatria no final do século XIX e durante a sua consolidação no século XX.

Moreira (2002) revela que os desenvolvimentos psiquiátricos e seus movimentos de substituição do termo, criaram o que ela chama de  invisibilidade da melancolia. Foi Adolf Meyer (1866-1950) que favoreceu a substituição do termo melancolia por depressão, já que o primeiro fazia apelo a um estado do romantismo muito presente na literatura e inadequado a ciência psiquiátrica, que estava em pleno desenvolvimento. (DELOUYA, 2001; FARINHA, 2005; MOREIRA, 2002; PERES, 1996, 1999, 2003;).

Chegamos finalmente no início do século XX, no qual temos duas correntes interpretativas concomitantes, no que se refere ao problema da depressão-melancolia: a psiquiátrica e a psicanalítica. A psiquiatria passa a se consolidar definitivamente no século XX, dando ênfase à dimensão orgânica e alimentando a visão biológica da doença mental. Seguindo a tradição Kraepeliana, os psiquiatras põem ênfase em um déficit ou insuficiência orgânica e biológica, muitas vezes, uma deficiência inata. Apostam ainda na observação e descrição de síndromes e enumeração de sintomas, o que poderia dirigir suas estratégias terapêuticas. Desta forma apostam na terapêutica farmacológica, através da administração de antidepressivos que regulam a produção de neurotransmissores. (PERES, 2003)

A outra corrente, a psicanalítica, representada inicialmente por Freud, com ênfase no conflito psicológico, nos fatores relacionados à dinâmica do psiquismo,  e sempre colocada no campo das questões psicogênicas (PERES, 2003).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AMARANTE, P. O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria.Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1996.

BERLINCK, M. T.; FÉDIDA, P.  A clínica da Depressão: questões atuais.  In

BERLINCK, M. T. Psicopatologia Fundamental. São Paulo: Editora Escuta, 2000.

DELOUYA, D. Depressão estação psique. São Paulo: Escuta: Fapesp, 2002. _____. Depressão. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.

FARINHA, S.  A depressão na atualidade – um estudo psicanalítico. Dissertação de mestrado. Universidade federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2005.

GINZBURG, J.  Conceito de melancolia.in  A clínica da melancolia e as depressões. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. n. 20, 2001.

MOREIRA, A. G. C. Clínica da melancolia. São Paulo: Escuta/Edufpa, 2002. _____.  A concepção de melancolia em Freud e Stein: uma interpretação sobre Eva, personagem de Sonata de Outono, de Bergman. Dissertação de mestrado. PUC – SP, 1992.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAUDE (coord).  Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas.

PERES, U. T. Melancolia. São Paulo: Escuta, 1996.

_____ Mosaico de letras: ensaios de psicanálise. São Paulo: Escuta, 1999.

_____ Depressão e melancolia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

RODRIGUES, J. S. F. O Diagnóstico de depressão. In Psicol. USP v.11 n.1 São Paulo 2000.

ROUDINESCO, E.; PLON, M.  Dicionário de psicanálise. Trad.Vera Ribeiro; Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

SCLIAR, M. Saturno nos trópicos: a melancolia européia chega ao Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2003.






GENIALIDADE E LOUCURA

 Blog “Genialidade e Superdotação”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.



Autoria:

1 - Suzana Azoubel de Albuquerque e Silva. Psiquiatra Supervisora da Residência de Psiquiatria do Hospital Ulysses Pernambucano.

2 - Carla Maria de Oliveira Cavalcanti. Psiquiatra inteconsultora do Instituto Materno-Infantil de Pernambuco – IMIP.

3 - Othon Bastos. Professor Titular da disciplina de Psiquiatria da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade de Pernambuco.


“É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz a uma estrela brilhante”.

Nietzsche.


RESUMO


Os autores revisam o conceito de criatividade e sua correlação com a bipolaridade. Recortes históricos mostram que já na Antiguidade os homens que se notabilizavam pela excelência nos campos das artes, política e ciência eram tidos como tocados pela loucura. Objeto de estudo de Lombroso, Kretschmer e Jaspers, o gênio louco recebeu atenção de muitos pesquisadores nos últimos trinta anos. Estudos com desenho moderno e rigor metodológico sobre esta conexão nos mais variados enfoques têm se acumulado.

Assim é que evidências trazidas à luz por trabalhos epidemiológicos, neurobiológicos, neuropsicológicos e econométricos apontam para a possibilidade de existir de fato uma estreita relação entre criatividade e bipolaridade.


INTRODUÇÃO


Segundo os estóicos, ser sábio é tomar a razão como guia; ser louco é deixar-nos levar ao sabor das paixões. É possível ser sábio e louco? A ligação entre genialidade e loucura remonta à Antiguidade. Filósofos e alienistas registraram ao longo da história o que lhes pareciam ser essa relação. Aristóteles (384-322 a.C.), conhecido na Idade Média como simplesmente “O Filósofo”, tinha uma insaciável curiosidade científica.

Seu livro Problemata (Problemas) consiste, em essência, de centenas e centenas de perguntas acompanhadas por suas respostas provisórias sobre tópicos que abrangem desde frutas à estrutura do olho. O livro começa com a famosa e provocativa questão, “Por que todos os homens que se tornam eminentes em filosofia, política, poesia ou em artes, são melancólicos” (Hett [trad.], 1965 apud Pies, R 2007)). É sua a afirmação: “Poetas artistas e estadistas famosos, frequentemente sofrem de melancolia ou loucura, como Ajax. Em tempos recentes, esta disposição ocorreu em Sócrates, Empédocles, Platão e muitos outros, mas especialmente em nossos poetas.” Sócrates atribuía a condução de sua vida interior ao seu “Daemon”, sua voz interior. Schopenhauer afirmava categoricamente que “O gênio está mais próximo da loucura do que do intelecto mediano”. (Kretschmer, 1970)

Em meados de 1800, a idéia de “gênio louco” foi corroborada pela Teoria da Evolução de Darwin. À época, a genialidade chegou a ser considerada uma desordem neuropatológica congênita (Chan, D, 2001). Ernest Kretschmer, professor de Psiquiatria e Neurologia da Universidade de Marburg afirmava que a doença mental de qualquer tipo leva, na maioria esmagadora dos casos, meramente a uma diminuição do poder da mente e ao desajuste social; mas que, em alguns casos excepcionais onde homens de constituição mental especial e grandes talentos, ela leva ao desenvolvimento de atividades geniais. E este estímulo para a produção de gênios, vem em alto grau apenas nos estágios iniciais e leves dos estados fronteiriços da doença mental. Para Kretschmer “Apenas isto pode ser dito: que a doença mental e, mais especificamente aquelas condições definidas como doentias na fronteira da doença mental, são decididamente mais freqüentes entre os gênios, pelo menos em certos grupos, do que entre a população geral”.

A questão por ele mesmo respondida era se o gênio é gênio apesar do componente psicopático ou por causa dele. Assim “as condições maníaco-depressivas em suas formas mais leves têm relação com a produção criativa. Temos que considerar aqui, principalmente os sintomas hipomaníacos em suas formas menos intensas, com seus estados emocionais inflamados e sua efervescente produção de idéias, a qual tem a natureza de uma exibição de fogos de artifício mental. (Kretschmer,1970).

Cesare Lombroso, professor de Medicina Legal da Universidade de Turim, comungava da mesma opinião quando afirmava que “Da mesma forma que os Gigantes pagam um pesado tributo pela estatura com a esterilidade e a relativa fraqueza muscular e mental, também os Gigantes do pensamento expiam sua força intelectual em degeneração e psicose. Assim é que sinais de degeneração são encontrados mais freqüentemente entre gênios que entre os insanos”. Tanto em hebraico, como em sânscrito, o termo lunático é sinônimo de profeta, lembra o alienista italiano. Em seu livro The Man of Genius faz uma minuciosaanálise sobre os inúmeros aspectos que possam estar envolvidos com a ocorrência de genialidade, sejam influências metereológicas, climáticas, hereditárias, sejam àquelas relacionadas à inserção na sociedade com seus diversos graus de civilidade e oportunidade. Homens ilustres dos mais variados campos de conhecimento foram objeto de seu estudo no que tange a esta particularidade. Assim, figuras tais como Comte, Rousseau, Schopenhauer e Baudelaire e muitos outros foram analisados quanto aos traços caracterológicos e sintomas psicopatológicos. Para ele, Baudelaire, que vinha de uma família de excêntricos, era o tipo de lunático possuído por um  Délire  des  Grandeurs.

August Comte, o precursor do Positivismo, foi assistido durante dez anos por Esquirol. Lombroso cita a confissão de Rousseau “Minha imaginação nunca é tão alegre quanto quando estou sofrendo..., “se eu desejar escrever bem a primavera, tem que ser inverno...”. , Goethe, ícone da literatura alemã haveria dito que, “Meu caráter passa da extrema alegria à extrema melancolia” e que “Cada aumento no conhecimento é um aumento de dor”.

Para Lombroso o mais completo tipo de loucura em gênios nos é apresentado por Schopenhauer. Para ele todos os sintomas característicos dos vários degraus que levam à insanidade, da rápida passagem da profunda tristeza à alegria excessiva, podem ser encontrados em Schopenhauer. Seriam bipolares todos os quatro, Baudelaire, Comte, Goethe e Schopenhauer.(Lombroso,1891).

Vários estudos mostram que escritores e compositores alternam fases de muita inspiração com fases em que o poço seca e a imaginação esmaece. Eles se vêem tomados por uma espécie de febre criadora que faz com que obras-primas sejam produzidas como num êxtase e de forma automática. Essa característica não escapou à observação acurada de Lombroso:


“Muitos homens geniais que se auto-analisaram e falaram sobre seus momentos de inspiração, o descreveram como uma febre doce e sedutora, durante a qual seus pensamentos se tornaram mais rápidos e involuntariamente produtivos...”


Existem gênios conhecidos pela excentricidade e verborragia tal como Lord Byron, mas há aqueles que além de introvertidos, são tímidos e, às vezes, sofrem de uma timidez patológica. Lombroso fala daqueles que seriam fóbicos sociais quando refere que “É sabido que Corneille, Descartes, Virgílio, Addison, La Fontaine, Dryden, Manzoni e Newton eram quase incapazes de se expressarem em público”. Acrescenta que os homens de inteligência excepcional são tomados freqüente-mente pela idéia ou sentimento de ter uma missão a cumprir. Assim, estes homens que estão situados à extrema direita da curva de Gauss no quesito inteligência seriam dotados de consciência da própria genialidade. Victor Hugo tinha obsessão em se tornar o maior poeta de todos os tempos. Hegel começou um discurso com estas palavras: “Eu devo dizer assim como Cristo, que não apenas ensino a verdade, mas também que Eu sou a verdade”.

A alta taxa de comorbidade entre o transtorno bipolar e o abuso e dependência de álcool e outras substâncias psicoativas também já chamava a atenção do alienista italiano. “Muitos gênios têm abusado de bebidas alcoólicas. Coleridge, em função de sua fraqueza de vontade e do abuso que fazia de bebidas alcoólicas e do ópio, nunca obteve sucesso na execução de nenhum de seus projetos gigantescos.”

Para Lombroso, haveria uma necessidade catártica de utilizar a arte para expiação das dores da alma:


“Todos os gênios insanos são preocupados com os seus próprios egos. Eles muitas vezes conhecem e proclamam suas próprias doenças e parecem obter algum alívio de seus inexoráveis ataques, confessando-os”.


A idéia de que gênios nascem gênios e não são feitos gênios não é nova. Francis Galton, um influente psicólogo do século XIX, afirmou ter fornecido evidência do caráter hereditário da genialidade. Seu interesse pelo tema deu-se porque pensava que o progresso da civilização dependia basicamente de grandes homens. Ele tomou os homens da ciência como objeto de estudo em pelo menos três trabalhos, sendo o seu mais importante o English  Men  of  Sciencepublicado em 1874 (Godin,B 2006). Na amostra de Galton, 48% dos homens eminentes tinham pais eminentes; 51% desses homens tiveram eles próprios filhos que se destacaram na sociedade por seus atributos, talentos e habilidades. Clarke, contudo, verificou que apenas 1% deles tinha parentes eminentes.

Rothenberg (2004), usou o background familiar de ganhadores de prêmios literários notáveis e os comparou com os de pessoas eminentes em outros campos para verificar a hipótese da herdabilidade do caráter excepcional de inteligência e criatividade. Os achados mostram herança ocupacional mínima, contradizendo tese de Galton (Rothenberg e Wyshak, 2004). Muito embora estudos biográficos ofereçam indicações impressionantes de que grandes escritores sofrem de mais problemas do que outros indivíduos criativos que se sobressaem ou mesmo do que a população geral, isto há de ser considerados com cautela. Possivelmente, aqueles indivíduos criativos que têm histórias de vidas dramáticas e mortes precoces tenham mais chance de se sobressair na mídia e de ter biografias escritas sobre eles. As evidências em contrário existem.

Em estudos como o do seguimento de 1000 gênios durante 35 anos em Standford, o estudo psicobio-gráfico de homens eminentes feito por Ellis, o estudo de Mackinnon sobre a criatividade de arquitetos e outros, sugerem uma conexão entre criatividade e Saúde Mental e não com a DoençaMental.

Na recente Exibição Centenária, “Cultura da Criatividade”, a Fundação Nobel focou a importância da criatividade para o progresso científico (Rothenberg,2005). A criatividade tem sido conceituada e caracterizada por vários autores de maneira diversa. Becker igualou criatividade à genialidade ou ao dom intelectual. Richards sugeriu que inteligência era necessária, mas não suficiente para a criatividade. Ston definiu criatividade como uma dinamização de uma habilidade. Independência foi mencionada por Andreasen e Glick, enquanto fluência e flexibilidade foram citadas por Jamison como essenciais para a criatividade.

Rothenberg definiu criatividade como a habilidade de, simultaneamente, conceber opostos ou anti-teses. Ludwig comentou que a criatividade requereria ambos, a não convencionalidade e uma habilidade para se comunicar. Richards e Ludwig afirmaram que avaliações de produtos como originais ou criativos estava sempre atada a contextos políticos e sociais. Weisberg salientou que a criatividade requeria esforço e colaboração.

A criatividade pode ser entendida como a habilidade de entender, desenvolver e expressar em um modo sistemático, novas relações entre objetos. De acordo com Bronowski (1972), a criatividade é encontrar unidade no que parece ser diversidade. Grandes trabalhos de arte têm uma miríade de cores e de formas e grandes músicas têm uma grande variedade de melodias e ritmos, mas em ambas, pinturas e sinfonias o artista é capaz de desenvolver uma trama que une os diversos elementos e os colocam em ordem. Cientistas criativos como Copérnico foram capazes de ver ordem no que parecia ser um sistema solar desordenado e Einstein foi capaz de ver a linha que unia matéria e energia (Heilman et al., 2003). Para Frank Barroes, criatividade deve ser considerada em termos das características do produto criativo e do reconhecimento social que alcança, deixando implícito um critério de utilidade. O produto criativo deve ser considerado em seu próprio contexto: a dificuldade do problema resolvido ou identificado, a elegância da solução proposta, o impacto do produto. (Preti,1997)


CRIATIVIDADE


Numa revisão circunstancial, Dennis Hoavar (1981) resumiu os principais métodos usados nos estudos sobre criatividade: teste de pensamento divergente, inventário de atitude e interesse, inventário de personalidade, inventário biográfico, nominação pelo professor, nominação pelos colegas, julgamento dos produtos, eminência, atividade e realizações criativas auto-relatadas (Preti, 1997). As Escalas de Criatividade ao Longo da Vida – ECLV foram concebidas com o objetivo de avaliar tanto a qualidade quanto a quantidade de realizações criativas na vida adulta de um indivíduo. O foco das escalas está nas atividades da vida real de uma determinada pessoa, tanto no trabalho quanto no lazer. Levam em consideração dois critérios: a originalidade e o ter sentido para os outros (Shansis et al.,2003).

Inteligência é necessária, mas não suficiente para criatividade. Existem muitos relatos de crianças com dificuldade específicas na leitura, em matemática, desenho, música, e questões visuo - espaciais que se tornaram gênios criativos.

Gênios, tais como Picasso, que não foi bem na escola por conta da dificuldade na linguagem e até gênios da matemática tais como Einstein tinha dificuldades na fala. Howard Gardner (1985) sugeriu que as pessoas têm múltiplas inteligências e se criatividade é relacionada à inteligência ela parece estar relacionada a um fator específico ou a uma forma especial de inteligência (Heilman,2003). Criatividade requer uma expressão e entendimento original de relações organizadas. Originalidade requer que a pena criativa siga uma direção diferente dos modelos de entendimento e expressão prevalentes, o que é chamado pensamento divergente. Deve haver dois componentes para o pensamento divergente – desprendimento e desenvolvimento de soluções alternativas. Para se encontrar uma solução criativa para um problema que até então está sem solução é necessário alterar os meios e formas pelas quais se tentou resolvê-los. Guilford, psicólogo com experiência em estudos psicológicos sistemáticos em criatividade, apontou vários fatores envolvidos no pensamento criativo: fluência do pensamento, fluência associacional – a produção de tantas vivências quanto possível de uma dada palavra num tempo determinado; fluência expressional – a produção e rápida justaposição de frases ou sentenças; a fluência ideacional – a habilidade de produzir idéias que preencham certos requisitos num determinado limite de tempo.

Guilford desenvolveu também dois outros conceitos para o estudo do pensamento criativo: a flexibilidade espontânea – a habilidade e disposição para produzir uma grande variedade de idéias, com liberdade para mudar de categoria para outra categoria; e flexibilidade adaptativa – a habilidade de apresentar soluções incomuns para resolver problemas. Disto conclui-se que indivíduos criativos estão propensos a apresentar pensamento divergente mais do que convergente (Jamison, 1996) .


MODELO NEUROBIOLÓGICO DA CRIATIVIDADE


Pessoas criativas seriam consideradas buscadores de novidades. Dentro do modelo psicobiológico de personalidade apresentado por Cloninger et al. (1993) que inclui três temperamentos ou dimensões de caráter, pessoas criativas seriam consideradas buscadores de novidades. Além de serem capazes de ter pensamentos divergentes, pessoas criativas estão muitas vezes buscando o que é novo e diferente.

Pessoas criativas, especialmente escritores, compositores e artistas refinados, têm uma alta taxa de abuso de substância tal como álcool (Post, 1994, 1996) . Vários pesquisadores chegaram à conclusão de que os buscadores de novidade têm um risco aumentado para drogadicção. Existe alguma evidência que a exposição ao novo ativa o sistema dopaminérgico mesolímbico do cérebro.

Este é o mesmo substrato neural que medeia os efeitos de recompensa de drogas de abuso, tais como álcool (Heilman  et  al.,2003) Algumas drogas levam a diminuição da excitabilidade e a criatividade é aumentada pelos estados de baixa excitabilidade. Em contraste, algumas drogas tais como as anfetaminas, podem impedir a produção criativa por elevarem a excitabilidade.

A criatividade depende da ativação de representações altamente distribuídas, que permitam fazer inferências e generalizações (Heilman et al., 2003). O cérebro é organizado em módulos e para que haja criatividade, é necessário que esses módulos se comuniquem. Assim a comunicação inter-hemisférica deve ser importante para a combinação de conhecimentos e habilidades para a inovação criativa. De acordo com Eysenck (1995), a genialidade é encontrada apenas em homens e haveria muitos fatores culturais inibindo a criatividade nas mulheres. Todavia, há diferenças sexuais na criatividade que não são relacionadas a fatores culturais, essas diferenças devem estar relacionadas a diferenças estruturais do cérebro.

Ainda segundo Eysenck, enquanto o cérebro masculino é maior do que o feminino, o córtex cerebral de mulheres tem a mesma espessura do córtex do homem, sugerindo que a diferença de tamanho se deva ao fato do homem ter muito mais substância branca do que a mulher. Pessoas criativas talvez possuam habilidade de ativar redes mais difusamente distribuídas (Mednick, 1962apud Heilman et  al.,2003).

Corroborando à teoria de conectividade como fundamental para a criatividade, estudos mostraram haver declínio na criatividade com o envelhecimento (Abra, 1989 Apud Heilman et al.,2993). Estudos em pessoas não demenciadas mostram que a diferença no número total de neurônios entre aqueles com 20 e 90 anos é de menos de 10% mas o comprimento total da fibra mielinizada apresentou uma grande redução em função da idade (Heilman et al,2003).

Um modelo neurobiológico de geração de idéias assume um papel importante em três estruturas cerebrais: lobo frontal, lobo temporal e sistema mesolímbico. Easterbrook (1959) e Eysenck (1995) sugerem que alta excitabilidade cortical induzida pelo estresse é freqüentemente associada a tentativas conscientes de resolver problemas, porém esta alta excitabilidade deve suprimir a emergência de associações remotas e, ao contrário, um nível baixo de excitabilidade cortical deve permitir que associações incomuns se manifestem. Estresse é associado a altos níveis de norepinefrina e estados de relaxamento à baixos níveis. Um estudo no qual estudantes com ansiedade na realização de exames tomaram o beta-bloqueador propanolol, mostrou que esta droga levou a uma melhora dramática em suas pontuações no teste de aptidão escolar (Heilman et al.,apud Faigel, 1991).

Talvez o bloqueio beta-adrenérgico melhore a desempenho neste teste porque ele reduza a influência da norepinefrina nas redes neuronais, permitindo aumento na flexibilidade cognitiva (Heilman et al.,2003). Estudos do limiar de excitabilidade fisiológico na depressão, tal como determinado por análise de EEG, têm revelado que pacientes deprimidos têm excitabilidade reduzida, o que é normalizado com o tratamento (Nieber and Schlegel, 1992; Knott et al., 2000). Se baixos níveis de excitabilidade fisiológica fazem com que se tenha aumento da extensão de representações de conceito, promove pensamentos divergentes e aumenta a flexibilidade cognitiva, então podemos supor que pessoas deprimidas tenham maior propensão a ser criativas (Heilman et  al.,2003).

Estudos empíricos sobre criatividade têm focado na importância do pensamento divergente – a capacidade de gerar novas soluções para problemas frouxamente definidos.(Gibson et al. 2008). O treinamento em pensamento divergente é relacionado à sincronização alfa do lobo frontal ao eletroencefalograma (Fink et al., 2006). São  observadas reduções no fluxo sangüíneo na porção pré-frontal dorsolateral que podem estar relacionadas à relativa dificuldade que têm os pacientes deprimidos em estarem atentos e de desenvolverem pensamentos ou planos sobre atividades futuras. No lugar disso, eles estão envolvidos em planos internos (introspecção e ruminação). A atividade reduzida nos córtices pré-frontal dorsolateral e no cíngulo anterior que ocorre nos deprimidos deve ser importante para a inovação criativa porque os lobos frontais são a área cortical primária de controle do locuscoeruleus. Atividade reduzida nas regiões frontais e do cíngulo, em razão do baixo input do locuscoeruleus, poderia fornecer a base para a redução na norepinefrina cortical, redução associada à inibição de estímulos internos e externos irrelevantes e para o recrutamento de representações difusamente distribuídas (Heilman et al.,2003)


NEUROPSICOLOGIA DA CRIATIVIDADE


A criatividade tem sido associada ao funcionamento inconsciente. Parece que  insightsmuitas vezes resultam de um processo onde um pensamento consciente inicial é seguido por um período durante o qual o problema é colocado de lado. Subseqüentemente, depois de um período sem pensamento consciente, a solução ou idéia se apresenta. O estágio no qual se abdica do pensamento consciente e durante o qual o inconsciente está trabalhando é chamado de incubação (Dijksterhuis,2006).

Muitos cientistas têm relatado serem capazes de resolver problemas científicos mais complexos durante o sono ou quando estão acordando ou adormecendo. Dahae (1997) diz em seu livro “The number sense” que “Eles (gênios da matemática) dizem que em seus momentos mais criativos - o que alguns descrevem como iluminação, eles não pensam voluntariamente, não pensam em palavras, não desenvolvem longos cálculos formais. A verdade matemática aparece para eles às vezes mesmo durante o sono.” (Heilman et al.,2003). Resolver um problema de insightrequer a reestruturação do problema ou uma mudança radical na representação dos elementos do problema (Bowden, Jung-Beerman, Fleck, Koinios, 2005; Duncker,1945). A progressão durante o processo de solução de problema não se dá aos poucos, e sim envolve uma súbita descoberta de uma solução, um fenômeno comumente chamado como a “experiência do A-Ha”.

A dificuldade fundamental que se enfrenta durante a solução de problemas é ter que descartar esquemas cognitivos ativados e abordar o problema de uma perspectiva completamente nova. Assim, ele requer pensamento associativo frouxo. Eysenck (1995) propôs que indivíduos extremamente criativos tenham como característica o afrouxamento associativo e estilo cognitivo super-inclusivo. Como resultado, seriam capazes de gerar idéias inovadoras e incomuns. As idéias de Eysenck têm recebido apoio nos achados que mostram que indivíduos com estilo cognitivo superinclusivo, como aqueles com alto grau de psicoticismo, têm demonstrado ter mais habilidades criativas (Karimi et al.,2007). Assim como acontece com pacientes esquizofrênicos, indivíduos criativos muitas vezes relatam experiências perceptuais e sensoriais estranhas, sensação de infatigabilidade e inclinação para acessos impulsivos em associação à rejeição de valores sociais comuns. Já que a inibição ou a supressão (por ansiedade ou outro estímulo mais forte) poderia limitar a consciência e a abertura para estímulos internos e externos, a libertação dessas forças poderia favorecer o pensamento associativo e assim, a criatividade (Preti,1997).

Foi encontrada associação entre dimensões de psicoticismo, características esquizotípicas e medidas de criatividade (Rybakowski,J 2006). São 4 as dimensões de esquizotipia: experiências incomuns contendo itens que se referem a aberrações perceptuais e cognitivas e pensamento mágico; desorganização cognitiva, comportamento violento e imprudente; e por último, anedonia introvertida (Nettle,D e Glegg,H 2006).

Vários estudos têm demonstrado semelhanças entre pacientes bipolares e de seus familiares e pessoas criativas, tais como índices aumentados de criatividade e características de temperamento tais como ciclotimia, neuroticismo e abertura para novas experiências (Rybakowski, J 2006).

O Neuroticismo, a ciclotimia e a distimia podem contribuir para a criatividade. Dados produzidos por vários estudos sugerem relação entre ciclotimia e criatividade (Kretschmer, 1931; Andreasen,198; Akiskal e Akiskal,1988; Richards  et al.,1988; Akiskal et al., 2005a,b). Uma correlação entre NEO abertura (Revised-NEO Personality Inventory) e criatividade está bem estabelecida (McCrae,1987; King et al.,1996; Feist,1998; Dollinger et al.,2004), mas também há evidência da conexão entre neuroticismo e criatividade (Kemp,1981; Andreasen e Glick, 1988; Backer,1991; Hammond e Edelmann, 1991; Marchant-Haycox e Wilson, 1992). Além disto, modelos integrativos têm sugerido que ambos os componentes cognitivo (por exemplo, abertura) e afetivo (ex.:neuroticismo) se relacionam com a criatividade (Russ, 1993; Eysenck, 1995; apudStrong et al.,2007). Apesar das potenciais complicações emocionais e interpessoais, a habilidade de experimentar intensos afetos incomuns (neuroticismo) e variados (ciclotimia) deve favorecer a inovação em indivíduos talentosos insatisfeitos com o corrente estado da arte, ciência ou indústria. Em contraste, a flexibilidade cognitiva associada à abertura pode ser uma garantia, não apenas para a criatividade, mas também para as relações interpessoais. Nos estudos de Strong C M  et.al.a abertura correlacionou-se com a sub-escala BWAS -Barron-Welsh Art Scale-like (mas não com a BWAS-dislike ou com a BWAS total), consistente com noção de que abertura permite ao sujeito a melhor apreciação da complexidade e assimetria (Strong et al., 2007).

A depressão é uma desordem debilitante e os sintomas que a definem incluem diminuição do interesse em todas as atividades, perda de energia, indecisão e diminuição de concentração – não são sintomas que se associam prontamente ao comportamento criativo. A falta de nexo causal direto razoável entre humor depressivo e comportamento criativo faz pensar que uma terceira variável seja responsável por isto. Verhaeghen (2005) observou a relação próxima entre pensamento ruminativo auto-reflexivo e afeto negativo, mais notadamente depressão. Em análises das altas taxas de prevalência de transtorno mental em poetas do sexo feminino, Kaufman e Baer (2002) propuseram recentemente um elo entre ruminação, depressão e a escrita poética. Eles argumentaram que a introspecção e a ruminação que caracteriza depressão possam também estar envolvidas na escrita poética. Estudos sugerem que o estilo de pensamento ruminativo aumenta a vulnerabilidade à depressão e mantém afeto negativo quando seu foco é em eventos de vida negativos ou quando o indivíduo experi- menta estados de humor negativos frequentes (Verhaeghen, 2005). Ruminação pode ser ligada à criatividade. Particularmente em escritores e poetas, um foco no selfe em seus próprios sentimentos pode ser parte importante da atividade criadora.

É interessante notar que os pacientes bipolares do estudo de Jamison, Germs, Hamm e Padesky (1980) (apud Verhaeghen) referiram que seus quadros depressivos levaram ao aumento da sensibilidade pelos seus sentimentos, o que eles afirmavam ter um impacto em sua criatividade (Verhaeghen et al.,2005). Ramey e Weisberg (2004) correlacionaram a produtividade e a qualidade de poesia de Emily Dickinson a diferentes períodos de humor em sua vida para testar a hipótese de que sua bipolaridade tivesse um efeito positivo na sua criatividade. (Fairweather).

A relação entre inteligência fluida, the Big Five Traits  (cinco grandes dimensões de personalidade a saber: neuroticismo (Neuroticism- N), extroversão (Extroversion- E), abertura para novas experiências (Openness- O), afabilidade (Agreeableness- A) e concenciosidade (Conscientiousness-C), hipomania e as três medidas de criatividade (inventário biográfico de comportamento criativo, fluência em pensamento divergente, self-rated creativity) foi pesquisada por Furnham et al.(2008). O Big  Five  Traitsé um modelo dimensional de personalidade que foi construido por McCrae e Costa (1987) segundo o qual, indivíduos que alcaçam altos escores em N seriam aqueles com tendência a experimentar emoções negativas tais como depressão, ansiedade e raiva, tendendo também a ser impulsivas. Àquelas que pontuam alto em E teriam propensão a experimentar emoções positivas e a ser sociáveis, acolhedoras, alegres, energéticas e assertivas. Já as pessoas que pontuam alto no O seriam criativas, imaginativas e flexíveis em seus pensamentos, apresentariam tendência a ter interesses os mais diversos e valores não convencionais. Os indivíduos com alto escore em A teriam propensão ao altruísmo e a assumir funções de proteção social, além de evitarem confrontações. Por último, aqueles com alta pontuação no C seriam organizados, trabalhadores, determinados e disciplinados.

Existe evidência de que pessoas criativas tenham consciência de suas habilidades. Vários pesquisadores têm encontrado a criatividade ligada aos Big Five Traits: aumentada abertura (openess), baixa afabilidade, baixa concenciosidade e alto neuroticismo (Batey,2007 Apud Furnham et al.2008). Alto grau de traços esquizotípicos, que seriam características não-disfuncionais que corresponderiam às formas atenuadas de sintomas esquizofrênicos, confere vantagem na solução de problemas analíticos que requeiram reestruturação e associações mais frouxas de pensamento, mas não de outros tipos de resolução de problemas que demandem um estilo cognitivo associativo mais fixo (Karimi et al., 2007). Estudos têm mostrado que, pacientes maníacos, diferente de indivíduos normais e esquizofrênicos, tendem a exibir grande pensamento combinatório. Caracterizado pelo surgimento de percepções, idéias ou imagens em uma forma incongruente, as idéias antes formadas se tornam “frouxamente amarradas e extravagantemente combinadas e elaboradas” (Jamison,1996). Entretanto, para Bastos (2006), “não existe algo como arte da loucura, mas apenas boa e má arte, arte com, e sem, valor estético.

A arte da loucura nada mais é do que a psicopatologia da arte. Apenas os psicóticos talentosos irão produzir trabalhos de arte genuínos. A maioria irá criar trabalhos de grande importância terapêutica, psicopatológica ou fenomenológica, mas de reduzido valor artístico”.


CRIATIVIDADE E BIPOLARIDADE


Apesar dos prejuízos e às vezes efeitos letais dos transtornos do humor, um número marcadamente alto de indivíduos de extrema criatividade parece sofrer de depressão e doenças relacionadas, particularmente o transtorno bipolar (Andreasen e Glick, 1988; Jamison, 1989, 1993, 1995; Richards e Kinney,1989; Goodwin e Jamison, 1990) Apud (Strong et al., 2007). Os trabalhos pioneiros de Andreasen e Jamison muito contribuíram para despertar o interesse da comunidade científica sobre este tema.

Depois de três décadas de pesquisa, existe evidência persuasiva, se não definitiva, da ligação da criatividade com transtornos bipolares em particular (Akiskal, 2006). O compositor Robert Schummann, por exemplo, escreveu a maior parte de seus trabalhos num estado de hipomania e permaneceu silenciado durante os episódios de grave depressão (Slater e Meyer, 1959) Apud Verhaeghen et al., 2005).

O psiquiatra suíço Eugen Bleuler traçou um paralelo entre o pensamento maníaco e o pensamento artístico (Jamison, 1994): O pensamento do maníaco é fugidio. Ele pula de um tema para o outro e não consegue aderir a nenhum. Com isso suas idéias surgem facilmente e involuntariamente, até tão livremente que pode ser percebido como desagradável pelo paciente. Por causa do fluxo mais rápido de idéias e especialmente por causa das falhas na inibição, atividades artísticas são favorecidas, facilitadas apesar de algo de valor ser produzido apenas em poucos casos e quando o paciente já é talentoso nessa direção.

Outros estudos mostram que a produção de rimas, trocadilhos e associações de palavras por assonância estão aumentadas na mania e que muitos pacientes começam a escrever poesia espontaneamente no episódio maníaco, muitas vezes sem nenhum interesse prévio tanto na leitura quanto na produção de poema. Da dor extrema da melancolia mais profunda, às dores mais suaves e o lado mais reflexivo e solitário das depressões leves podem ser extremamente importantes para o processo criativo. Os insights manifestados na escrita de pacientes levemente deprimidos surgem do fato de que eles se tornaram auto-reflexivos e questionadores do sentido da vida. Trabalho criativo pode agir não só como meio de fuga das dores, mas também como um caminho para a reestruturação de pensamentos e emoções caóticos (Jamison, 1996) .

Pessoas com transtorno do humor bipolar tendem a ser mais emocionalmente reativas, o que lhes dá mais sensibilidade e percepção aguçada. Uma falta de inibição permite que eles tenham formas não convencionais e desinibidas de se expressar, menos limitadas pelas normas e costumes. Isto faz deles mais abertos à experimentação e ao comportamento de risco e, como consequência, mais assertivas e empreendedoras que a média. Sensibilidade e a falta de inibição os tornam mais acolhedores e amigáveis no contato social.

Ambas as atitudes representam uma clara vantagem ao nível profissional, particularmente quando a competição é maior. Por serem mais sociáveis e menos inibidos para expressarem-se, os bipolares podem difundir suas idéias com mais facilidade, permitindo que elas prevaleçam sobre outras (Pretti). Kraepelin (1921) foi talvez o primeiro a notar que a psicose maníaco-depressiva era freqüentemente associada a uma maior criatividade (Weisberg, 1994). Pesquisadores tais como Pöldinger, 1986; Andreasen and Glick, 1988; Richards et al., 1988; Slaby, 1992; Post,1996 têm relatado que muitos dos mais criativos escritores, compositores, pintores e cientistas têm sofrido de depressão, tanto bipolar quanto unipolar. A liga que une o sonho, o descanso ou o relaxamento e depressão são as mudanças nos sistemas de neurotransmissores. Em todos estes estados parece haver uma redução das catecolaminas, incluindo norepinefrina (McCarley, 1982) (Heilman et  al., 2003).

Os dois principais estudos realizados na era precedente às categorizações sistemáticas das recentes classificações, mostram que entre artistas e cientistas a prevalência de desordens mentais graves é significativamente mais alta que na população geral, com uma associação familiar forte entre criatividade, psicopatologia e taxas mais altas de suicídio. Em 1926, Ellis relatou em seu estudo biográfico de 1030 gênios britânicos que 42% tinham distúrbios mentais, incluindo demência senil (Chan, D, 2001). Num estudo realizado na Alemanha entre 1927 a 1943, com 5000 indivíduos, Adele Juda, à época pesquisadora do Instituto de Psiquiatria de Munique, avaliou a freqüência e distribuição de desordens psiquiátricas numa amostra bem selecionada de artistas eminentes, cientistas renomados e seus familiares.

O estudo mostra uma prevalência significativamente mais alta de doença mental entre as pessoas eminentes e seus familiares comparados a população geral. Entre os transtornos dos artistas o espectro esquizofrênico e a psicopatia foram os mais comuns (Pretti). O estudo de Juda permanece relevante tanto pelo seu escopo (mais de 5000 indivíduos foram entrevistados durante o período de 17 anos) quanto pela sua tentativa de trazer rigor metodológico para um campo tão subjetivo. Juda identificou que embora dois terços dos 113 artistas e escritores eram “normais psiquiatricamente”, existiam mais suicídios e indivíduos “insanos e neuróticos” no grupo dos artistas do que se poderia esperar da população geral. As taxas mais altas de anormalidades psiquiátricas foram encontradas em poetas (50%) e músicos (38%). Taxas mais baixas foram encontradas em pintores (20%), escultores (18%) e arquitetos (17%) (Jamison,1996).

Os irmãos, irmãs e filhos daqueles do grupo de artistas estavam muito mais propensos a serem ciclotímicos, cometerem suicídio, ou sofrer transtorno maníaco-depressivo do que indivíduos da população geral; psicose foi muito mais comum nos netos do grupo de artistas. Algumas décadas depois, J. karlsson (ApudPreti, 2007), num estudo na Groelândia, relatou uma clara associação familiar entre o diagnóstico de psicose e a eminência nos campos das artes ou ciência, baseado nas citações do “Quem é quem” (“Who’s Who”). Um claro e reconhecível talento criativo estava presente nos parentes de pacientes esquizofrênicos com freqüência duas vezes maior que a população geral, e quanto aos parentes de pacientes maníaco-depressivos, a freqüência foi seis vezes mais que a população geral (Preti). Em 1971, McNeill comparou as taxas de psicopatologia em filhos adotivos com criatividade baixa, acima da média e alta com a de seus pais biológicos e adotivos (Jamison, 1993). McNeill concluiu que existia uma relação significante e positiva entre doença mental e criatividade. E, mais importante, que as taxas de doença mental dos pais biológicos foram positivamente e significativamente relacionadas às habilidades criativas dos adotados, sugerindo assim uma ligação genética entre criatividade e transtornos mentais (Fairweather).

Em 1974, Andreasen e Canter avaliaram 15 escritores americanos que participavam de um workshop e os compararam a 15 controles não criativos pareados para status socioeconômico, idade e gênero. Utilizando entrevistas não-cegas eles encontraram evidência de diagnóstico psiquiátrico durante a vida, principalmente transtornos do humor e alcoolismo, com freqüência significativamente maior em escritores do que em controles (73% versus 20%) (Waddell).

Dra. Andreasen (1987) em seu estudo de escritores do University  of  Iowa  Writer’s  Workshoptambém investigou a história familiar de escritores e controles. Comparou 30 escritores criativos com 30 controles pareados, incluindo parentes de 1° grau dos dois grupos. Os escritores criativos e seus parentes de primeiro grau mostraram taxas significativamente mais altas de transtorno bipolar, tanto depressão unipolar quanto bipolar. 24 dos 30 escritores foram diagnosticados com transtorno afetivo comparados com apenas 9 dos 30 participantes do grupo controle. Dentre os parentes de 1° grau de escritores, 20% e dentre familiares de sujeitos controle, 8% exibiram dotes criativos. O fato da doença mental e criatividade terem se super-posto mais nos familiares dos escritores do que nos controles fez com que Andreasen sugerisse uma associação familiar entre criatividade e transtornos afetivos (Waddell).

Num estudo realizado em 1989, Jamison estudou 47 artistas e escritores britânicos e verificou que 38% haviam recebido tratamento para transtorno do humor em algum ponto de suas vidas (Waddell). Arnold Ludwig revisou as biografias editadas no New York Times Book Review durante um período de 30 anos (1960-1990) e seus achados foram consistentes com os de Juda quando estudou artistas alemães e os de Jamison com escritores e artistas ingleses. Ludwig encontrou as mais altas taxas de mania, psicose e hospitalizações psiquiátricas entre poetas. Entre eles, 18% haviam cometido suicídio. Compositores também mostraram altas taxas de psicose e depressão.

Quando Ludwig comparou artistas com aqueles de outras profissões (tais como empresários, cientistas e funcionários públicos) encontrou uma taxa de 2 a 3 vezes mais alta para psicose, tentativa de suicídio, transtornos do humor e abuso de substâncias naqueles. A taxa de internamentos psiquiátricos involuntários foi de 6 a 7 vezes maior no grupo de artistas, escritores e compositores o que no grupo de outras profissões. 38% dos escritores e artistas haviam feito tratamento para transtorno do humor.

Destes, ¾ tinham usado antidepressivo ou lítio, ou haviam sido hospitalizados. Os poetas estavam entre aqueles que requeriam mais antidepressivos e eram os únicos a necessitarem intervenção médica (hospitalização, ECT ou lítio) para mania. Aproximadamente 1/3 dos escritores e artistas relataram histórias de intensas mudanças de humor que foram de natureza essencialmente ciclotímica (Jamison). Em outro estudo, Ludwig (1992) verificou que 18% dos poetas haviam cometido suicídio enquanto artistas tiveram taxa 2 a 3 vezes maior de transtorno do humor, psicose e suicídio do que a população geral. A taxa de hospitalização involuntária entre artistas, escritores e compositores foi 6 vezes maior que a de controles normais.

Incidência semelhante foi encontrada em vários outros estudos (Juda, 1949; Andreasen, 1987 e 1995; Jamison, 1989) Dra. Ruth Richards et al. de Harvard, levantaram a hipótese de que a vulnerabilidade genética para TBH poderia ser acompanhada de uma predisposição para criatividade. Esta predisposição seria maior entre os familiares dos pacientes bipolares do que neles mesmos. Selecionaram 17 pacientes bipolares e 16 ciclotímicos junto com 11 de seus parentes de primeiro grau sem a doença, utilizando critérios que garantiram a inclusão de transtorno do espectro bipolar. Esses pacientes e familiares foram comparados com 15 controle normais e 18 controles com outros diagnósticos psiquiátricos pessoais ou familiares – TBH, ciclotimia, transtorno esquizoafetivo, esquizofrenia e suicídio. Utilizando a Lifetime Creativity Scales – Escala de Criatividade para a Vida Inteira, que avalia o envolvimento criativo em atividades profissionais e de lazer, encontraram escores significativamente mais altos nos pacientes bipolares e ciclotímicos e seus parentes de 1° grau do que nos controle (Jamison).

Jamison (1993) concluiu, a partir de levantamento da literatura, que a doença depressiva é 8 à 10 vezes mais prevalente em escritores e artistas do que na população geral e mais, que escritores e artistas tinham 10 vezes mais chance de cometerem suicídio (Santosa et al.,2007). Jamison (1993) examinou a vida dos maiores poetas irlandeses e britânicos nascidos entre 1705 e 1805, focando o papel do humor durante o processo criativo. Uma grande proporção de participantes no estudo relatou mudanças no humor, cognição e comportamento que precediam ou coincidiam com os períodos criativos e produtivos. As mudanças mais comumente referidas que ocorreram durante os períodos criativos foram “aumento do entusiasmo, energia, autoconfiança, velocidade de associação mental, fluência de pensamentos e humor elevado, e uma forte sensação de bem estar.

Jamison salienta que essas mudanças se sobrepõem aos critérios usados para identificar hipomania (Fairweather). Ela encontrou uma intrigante alta taxa de transtorno do humor, suicídio e institucionalização entre artistas e escritores e seus familiares. Baseando sua pesquisa em informações biográficas e autobiográficas, Jamison concluiu que os poetas que ela examinou tinham trinta vezes mais chance de serem afetados pelo transtorno bipolar I e quase vinte vezes mais chance de sofrer do transtorno depressivo maior. Ludwig (1994) incluiu 59 escritores e um grupo controle e relatou que enquanto 59% dos escritores estavam deprimidos, apenas 9% do grupo controle preenchiam critérios diagnósticos para depressão. Em seu levantamento da biografia de 1005 indivíduos eminentes que viveram no século XX, Ludwig (1995) encontrou uma prevalência 50% para a vida toda de depressão entre artistas e de 20% para aqueles do campo dos empreendimentos, 24% dos cientistas e 27% de figuras sociais importantes. Particularmente vulneráveis a depressão foram os poetas (77%), os escritores de ficção (59%) e artistas visuais (50%) (Waddell,1998). Em 1994, o grupo de Schildkrant avaliou as biografias de 19 artistas americanos e verificou que 50% sofriam ou de depressão ou de ciclotimia, 33% abusavam de álcool e 40% já haviam recebido tratamento psiquiátrico. Também em 1994, Post estudou 291 biografias de homens eminentes em arte, literatura, ciência e liderança política. Encontrou altas taxas de desordens psiquiátricas em escritores e artistas. Em estudo posterior de biografias de escritores Post encontrou altas taxas de depressão e alcoolismo. (Waddell,1998).

É interessante notar que os pacientes bipolares do estudo de Jamison, Germs, Hamm e Padesky (1980)(apud Verhaeghen) referiram que seus quadros depressivos levaram ao aumento da sensibilidade pelos seus sentimentos, o que eles afirmavam ter um impacto em sua criatividade. Ramey e Weisberg (2004) correlacionaram a produtividade e a qualidade de poesia de Emily Dickinson a diferentes períodos de humor em sua vida para testar a hipótese de que sua bipolaridade tivesse um efeito positivo na sua criatividade. (Fairweather). Em um estudo caso-controle randomizado Pavitra  et  al.(2007) compararam o perfil de pessoas criativas,músicos e escritores, com o de pessoas não criativas utilizando instrumentos que identificaram morbidade psiquiátrica ligada ao estresse, traços de personalidade, estratégias para lidar com problemas entre outros (sociodemo-graphic data sheet; General Health Questionnaire GHQ-28; SCAN 2.1 version; Perceived Stress Scale; NEO-5 factory Inventory; Coping Checklist). Um número alto de escritores tinha familiares engajados em atividades criativas e 100% dos músicos tinha história familiar de criatividade. A morbidade psiquiátrica foi mais elevada naqueles indivíduos criativos, especialmente transtornos do humor.

Num estudo de caso-controle, em 1994, Andreasen expandiu sua amostra para 30 escritores que foram comparados usando entrevistas não-cegas com 30 controles “não-criativos” pareados para idade, gênero, status socioeconômico e inteligência. Escritores tiveram prevalência ao longo da vida significativamente maior que controles para todos os transtornos do humor (80% versus 30%), para transtorno bipolar (43% versus 10%) e para alcoolismo (30% versus 7%). (Waddell,1998).

O pintor norueguês Edvard Munch, que foi hospitalizado diversas vezes por doença psiquiátrica disse: “um alemão disse uma vez para mim: ‘mas e se você pudesse se livrar de muitos de seus problemas’. No que eu repliquei: “Eles são parte de mim e da minha arte. Eles são indistinguíveis de mim e isso iria destruir minha arte. Eu quero manter esses sofrimentos.” (Stang,1979). A este respeito Jamison (1993) pontuava haver uma preocupação comum entre muitos artistas e escritores, a de que o tratamento psiquiátrico tirem deles a inspiração oriunda dos extremos de experiência emocional já estas que seriam partes integrantes não da condição humana, mas de suas habilidades como artistas.(Bartlett).

Utilizando uma base de dados populacional e um instrumento econométrico tradicional – logitmultinominal, para analisar o desempenho ocupacional daqueles com transtorno bipolar do humor e da população geral, Tremblay (2004) encontrou alguma evidência da concentração de bipolares em setores de serviço, administração e em profissionais liberais (que inclui artistas, músicos, autores). Foram observados níveis educacionais e de criatividade profissional muito mais altos entre os bipolares que a média da população geral.

Finalmente, empregando métodos não-paramétricos de estimativas de densidade para o índice de criatividade ocupacional para as amostras de bipolares e não bipolares, foi visto que a possibilidade de engajamento em atividades criativas no trabalho é maior para trabalhadores bipolares (Tremblay et al., 2004).

Embora haja escassa literatura no Brasil sobre o tema, a conexão entre genialidade e bipolaridade vem sendo investigada através de estudos epidemiológicos, neuropsicológicos, neurobiológicos, genéticos e até econométricos em vários países do mundo. O senso comum sempre considerou que os gênios fossem pessoas altamente criativas, facilmente não compreendidas, muitas vezes esquisitas ou mesmo loucas (Eysenck, 1995).

Houve desde sempre, associação mesmo que laica, entre excentricidade e genialidade. Nas últimas três décadas as pesquisas sobre o assunto se intensificaram e resultados que apontam para a existência desta relação vêm se avolumando e tomando corpo. Não há como ignorar esses dados. Estudos têm demonstrado a relação entre criatividade e transtorno bipolar em indivíduos e sugerido transmissão familiar para ambos criatividade e transtorno bipolar (Simeonous et al. 2005). Uma maneira de abordar esta conexão é através de estudos históricos e biográficos. Tais estudos têm demonstrado que indivíduos altamente criativos dentre artistas e escritores têm 2-3 vezes mais psicose, transtorno do humor e suicídio se comparados com profissionais menos criativos (Ludwig,1992, 1995; Jamison, 1993; Post, 1994, 1996; Schildkraut et al., 1994). Outra maneira de abordar e estudar esta relação é através de pesquisa envolvento artistas vivos.

Andreasen (1987), por exemplo, estudando 30 escritores eminentes, verificou que 80% deles tinham história de ter tido pelo menos um episódio de transtorno do humor em suas vidas. Já podemos afirmar que existem muitos indícios do caráter hereditário da criatividade e que de fato alguns padrões de pensamento encontrados em pacientes deprimidos tais como o pensamento ruminativo auto-reflexivo e maníacos tais como afrouxamento de associações assim como algumas dimensões da personalidade: psicoticismo, alto neuroticismo, alta abertura para novas experiências, baixa afabilidade e baixo conscientioness favorecem a atividade criativa. Não estamos aqui afirmando que os transtornos afetivos ou do humor determinem ou mesmo predisponham à genialidade, mas que existe realmente uma correlação entre os dois fatos.

Contrariando estas hipóteses, em um estudo mais recente sobre criatividade e a diátese bipolar, Shapiro e Weisberg (1999) não acharam indicação de associação entre sintomas depressivos e criatividade. Em adição, o achado de que a ingestão de estabilizador de humor, tais como o lítio, melhora a produtividade no lugar de diminuí-la, sugere que o episódio depressivo por si só é muito debilitante, como esperado pelos seus sintomas definidores. (Verhaeghen et  al., 2005).

Não existe dúvida de que humor negativo e o poder da mania pode às vezes dar contribuição positiva ao pensamento criativo, mas elas obviamente não produzem isso em cada sofredor de humor anormal. É típico de qualquer pessoa que se engaja em trabalho criativo se sentir excitada, em elação, talvez eufórica ou em êxtase, sentir aumento da autoconfiança, eficiência mental combinada com concentração mais focada, apetência, talvez expansividade e clareza mental elevada. E, em paralelo, infelicidade, tristeza profunda e pesar podem, não menos, serem parceiros internos do esforço criativo (Bartlett).


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