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“Genialidade e Superdotação”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Autoria:
1 - Suzana
Azoubel de Albuquerque e Silva. Psiquiatra Supervisora da Residência de
Psiquiatria do Hospital Ulysses Pernambucano.
2 - Carla Maria
de Oliveira Cavalcanti. Psiquiatra inteconsultora do Instituto Materno-Infantil
de Pernambuco – IMIP.
3 - Othon
Bastos. Professor Titular da disciplina de Psiquiatria da Universidade Federal
de Pernambuco e da Universidade de Pernambuco.
“É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz a
uma estrela brilhante”.
Nietzsche.
RESUMO
Os autores revisam o conceito de criatividade
e sua correlação com a bipolaridade. Recortes históricos mostram que já na
Antiguidade os homens que se notabilizavam pela excelência nos campos das
artes, política e ciência eram tidos como tocados pela loucura. Objeto de
estudo de Lombroso, Kretschmer e Jaspers, o gênio louco recebeu atenção de
muitos pesquisadores nos últimos trinta anos. Estudos com desenho moderno e
rigor metodológico sobre esta conexão nos mais variados enfoques têm se
acumulado.
Assim é que evidências trazidas à luz
por trabalhos epidemiológicos, neurobiológicos, neuropsicológicos e
econométricos apontam para a possibilidade de existir de fato uma estreita
relação entre criatividade e bipolaridade.
INTRODUÇÃO
Segundo os estóicos, ser sábio é tomar a
razão como guia; ser louco é deixar-nos levar ao sabor das paixões. É possível
ser sábio e louco? A ligação entre genialidade e loucura remonta à Antiguidade.
Filósofos e alienistas registraram ao longo da história o que lhes pareciam ser
essa relação. Aristóteles (384-322 a.C.), conhecido na Idade Média como
simplesmente “O Filósofo”, tinha uma insaciável curiosidade científica.
Seu livro Problemata (Problemas)
consiste, em essência, de centenas e centenas de perguntas acompanhadas por
suas respostas provisórias sobre tópicos que abrangem desde frutas à estrutura
do olho. O livro começa com a famosa e provocativa questão, “Por que todos os
homens que se tornam eminentes em filosofia, política, poesia ou em artes, são
melancólicos” (Hett [trad.], 1965 apud Pies, R 2007)). É sua a afirmação:
“Poetas artistas e estadistas famosos, frequentemente sofrem de melancolia ou
loucura, como Ajax. Em tempos recentes, esta disposição ocorreu em Sócrates,
Empédocles, Platão e muitos outros, mas especialmente em nossos poetas.”
Sócrates atribuía a condução de sua vida interior ao seu “Daemon”, sua voz
interior. Schopenhauer afirmava categoricamente que “O gênio está mais próximo
da loucura do que do intelecto mediano”. (Kretschmer, 1970)
Em meados de 1800, a idéia de “gênio
louco” foi corroborada pela Teoria da Evolução de Darwin. À época, a
genialidade chegou a ser considerada uma desordem neuropatológica congênita
(Chan, D, 2001). Ernest Kretschmer, professor de Psiquiatria e Neurologia da
Universidade de Marburg afirmava que a doença mental de qualquer tipo leva, na
maioria esmagadora dos casos, meramente a uma diminuição do poder da mente e ao
desajuste social; mas que, em alguns casos excepcionais onde homens de
constituição mental especial e grandes talentos, ela leva ao desenvolvimento de
atividades geniais. E este estímulo para a produção de gênios, vem em alto grau
apenas nos estágios iniciais e leves dos estados fronteiriços da doença mental.
Para Kretschmer “Apenas isto pode ser dito: que a doença mental e, mais
especificamente aquelas condições definidas como doentias na fronteira da
doença mental, são decididamente mais freqüentes entre os gênios, pelo menos em
certos grupos, do que entre a população geral”.
A questão por ele mesmo respondida era
se o gênio é gênio apesar do componente psicopático ou por causa dele. Assim
“as condições maníaco-depressivas em suas formas mais leves têm relação com a
produção criativa. Temos que considerar aqui, principalmente os sintomas
hipomaníacos em suas formas menos intensas, com seus estados emocionais
inflamados e sua efervescente produção de idéias, a qual tem a natureza de uma
exibição de fogos de artifício mental. (Kretschmer,1970).
Cesare Lombroso, professor de Medicina
Legal da Universidade de Turim, comungava da mesma opinião quando afirmava que
“Da mesma forma que os Gigantes pagam um pesado tributo pela estatura com a
esterilidade e a relativa fraqueza muscular e mental, também os Gigantes do
pensamento expiam sua força intelectual em degeneração e psicose. Assim é que
sinais de degeneração são encontrados mais freqüentemente entre gênios que
entre os insanos”. Tanto em hebraico, como em sânscrito, o termo lunático é
sinônimo de profeta, lembra o alienista italiano. Em seu livro The Man of
Genius faz uma minuciosaanálise sobre os inúmeros aspectos que possam estar
envolvidos com a ocorrência de genialidade, sejam influências metereológicas,
climáticas, hereditárias, sejam àquelas relacionadas à inserção na sociedade
com seus diversos graus de civilidade e oportunidade. Homens ilustres dos mais
variados campos de conhecimento foram objeto de seu estudo no que tange a esta
particularidade. Assim, figuras tais como Comte, Rousseau, Schopenhauer e
Baudelaire e muitos outros foram analisados quanto aos traços caracterológicos
e sintomas psicopatológicos. Para ele, Baudelaire, que vinha de uma família de
excêntricos, era o tipo de lunático possuído por um Délire
des Grandeurs.
August Comte, o precursor do
Positivismo, foi assistido durante dez anos por Esquirol. Lombroso cita a
confissão de Rousseau “Minha imaginação nunca é tão alegre quanto quando estou
sofrendo..., “se eu desejar escrever bem a primavera, tem que ser inverno...”.
, Goethe, ícone da literatura alemã haveria dito que, “Meu caráter passa da
extrema alegria à extrema melancolia” e que “Cada aumento no conhecimento é um
aumento de dor”.
Para Lombroso o mais completo tipo de
loucura em gênios nos é apresentado por Schopenhauer. Para ele todos os
sintomas característicos dos vários degraus que levam à insanidade, da rápida
passagem da profunda tristeza à alegria excessiva, podem ser encontrados em
Schopenhauer. Seriam bipolares todos os quatro, Baudelaire, Comte, Goethe e
Schopenhauer.(Lombroso,1891).
Vários estudos mostram que escritores e
compositores alternam fases de muita inspiração com fases em que o poço seca e
a imaginação esmaece. Eles se vêem tomados por uma espécie de febre criadora
que faz com que obras-primas sejam produzidas como num êxtase e de forma
automática. Essa característica não escapou à observação acurada de Lombroso:
“Muitos
homens geniais que se auto-analisaram e falaram sobre seus momentos de
inspiração, o descreveram como uma febre doce e sedutora, durante a qual seus
pensamentos se tornaram mais rápidos e involuntariamente produtivos...”
Existem gênios conhecidos pela
excentricidade e verborragia tal como Lord Byron, mas há aqueles que além de
introvertidos, são tímidos e, às vezes, sofrem de uma timidez patológica.
Lombroso fala daqueles que seriam fóbicos sociais quando refere que “É sabido
que Corneille, Descartes, Virgílio, Addison, La Fontaine, Dryden, Manzoni e
Newton eram quase incapazes de se expressarem em público”. Acrescenta que os
homens de inteligência excepcional são tomados freqüente-mente pela idéia ou
sentimento de ter uma missão a cumprir. Assim, estes homens que estão situados
à extrema direita da curva de Gauss no quesito inteligência seriam dotados de
consciência da própria genialidade. Victor Hugo tinha obsessão em se tornar o
maior poeta de todos os tempos. Hegel começou um discurso com estas palavras:
“Eu devo dizer assim como Cristo, que não apenas ensino a verdade, mas também
que Eu sou a verdade”.
A alta taxa de comorbidade entre o
transtorno bipolar e o abuso e dependência de álcool e outras substâncias
psicoativas também já chamava a atenção do alienista italiano. “Muitos gênios
têm abusado de bebidas alcoólicas. Coleridge, em função de sua fraqueza de
vontade e do abuso que fazia de bebidas alcoólicas e do ópio, nunca obteve
sucesso na execução de nenhum de seus projetos gigantescos.”
Para Lombroso, haveria uma necessidade
catártica de utilizar a arte para expiação das dores da alma:
“Todos
os gênios insanos são preocupados com os seus próprios egos. Eles muitas vezes
conhecem e proclamam suas próprias doenças e parecem obter algum alívio de seus
inexoráveis ataques, confessando-os”.
A idéia de que gênios nascem gênios e
não são feitos gênios não é nova. Francis Galton, um influente psicólogo do
século XIX, afirmou ter fornecido evidência do caráter hereditário da genialidade.
Seu interesse pelo tema deu-se porque pensava que o progresso da civilização
dependia basicamente de grandes homens. Ele tomou os homens da ciência como
objeto de estudo em pelo menos três trabalhos, sendo o seu mais importante o
English Men of
Sciencepublicado em 1874 (Godin,B 2006). Na amostra de Galton, 48% dos
homens eminentes tinham pais eminentes; 51% desses homens tiveram eles próprios
filhos que se destacaram na sociedade por seus atributos, talentos e
habilidades. Clarke, contudo, verificou que apenas 1% deles tinha parentes
eminentes.
Rothenberg (2004), usou o background familiar
de ganhadores de prêmios literários notáveis e os comparou com os de pessoas
eminentes em outros campos para verificar a hipótese da herdabilidade do
caráter excepcional de inteligência e criatividade. Os achados mostram herança
ocupacional mínima, contradizendo tese de Galton (Rothenberg e Wyshak, 2004).
Muito embora estudos biográficos ofereçam indicações impressionantes de que
grandes escritores sofrem de mais problemas do que outros indivíduos criativos
que se sobressaem ou mesmo do que a população geral, isto há de ser
considerados com cautela. Possivelmente, aqueles indivíduos criativos que têm
histórias de vidas dramáticas e mortes precoces tenham mais chance de se
sobressair na mídia e de ter biografias escritas sobre eles. As evidências em
contrário existem.
Em estudos como o do seguimento de 1000
gênios durante 35 anos em Standford, o estudo psicobio-gráfico de homens
eminentes feito por Ellis, o estudo de Mackinnon sobre a criatividade de
arquitetos e outros, sugerem uma conexão entre criatividade e Saúde Mental e
não com a DoençaMental.
Na recente Exibição Centenária, “Cultura
da Criatividade”, a Fundação Nobel focou a importância da criatividade para o progresso
científico (Rothenberg,2005). A criatividade tem sido conceituada e
caracterizada por vários autores de maneira diversa. Becker igualou
criatividade à genialidade ou ao dom intelectual. Richards sugeriu que
inteligência era necessária, mas não suficiente para a criatividade. Ston
definiu criatividade como uma dinamização de uma habilidade. Independência foi
mencionada por Andreasen e Glick, enquanto fluência e flexibilidade foram
citadas por Jamison como essenciais para a criatividade.
Rothenberg definiu criatividade como a
habilidade de, simultaneamente, conceber opostos ou anti-teses. Ludwig comentou
que a criatividade requereria ambos, a não convencionalidade e uma habilidade
para se comunicar. Richards e Ludwig afirmaram que avaliações de produtos como
originais ou criativos estava sempre atada a contextos políticos e sociais.
Weisberg salientou que a criatividade requeria esforço e colaboração.
A criatividade pode ser entendida como a
habilidade de entender, desenvolver e expressar em um modo sistemático, novas
relações entre objetos. De acordo com Bronowski (1972), a criatividade é
encontrar unidade no que parece ser diversidade. Grandes trabalhos de arte têm
uma miríade de cores e de formas e grandes músicas têm uma grande variedade de
melodias e ritmos, mas em ambas, pinturas e sinfonias o artista é capaz de
desenvolver uma trama que une os diversos elementos e os colocam em ordem.
Cientistas criativos como Copérnico foram capazes de ver ordem no que parecia
ser um sistema solar desordenado e Einstein foi capaz de ver a linha que unia
matéria e energia (Heilman et al., 2003). Para Frank Barroes, criatividade deve
ser considerada em termos das características do produto criativo e do
reconhecimento social que alcança, deixando implícito um critério de utilidade.
O produto criativo deve ser considerado em seu próprio contexto: a dificuldade
do problema resolvido ou identificado, a elegância da solução proposta, o
impacto do produto. (Preti,1997)
CRIATIVIDADE
Numa revisão circunstancial, Dennis
Hoavar (1981) resumiu os principais métodos usados nos estudos sobre
criatividade: teste de pensamento divergente, inventário de atitude e
interesse, inventário de personalidade, inventário biográfico, nominação pelo professor,
nominação pelos colegas, julgamento dos produtos, eminência, atividade e
realizações criativas auto-relatadas (Preti, 1997). As Escalas de Criatividade
ao Longo da Vida – ECLV foram concebidas com o objetivo de avaliar tanto a
qualidade quanto a quantidade de realizações criativas na vida adulta de um
indivíduo. O foco das escalas está nas atividades da vida real de uma
determinada pessoa, tanto no trabalho quanto no lazer. Levam em consideração
dois critérios: a originalidade e o ter sentido para os outros (Shansis et
al.,2003).
Inteligência é necessária, mas não
suficiente para criatividade. Existem muitos relatos de crianças com
dificuldade específicas na leitura, em matemática, desenho, música, e questões
visuo - espaciais que se tornaram gênios criativos.
Gênios, tais como Picasso, que não foi
bem na escola por conta da dificuldade na linguagem e até gênios da matemática
tais como Einstein tinha dificuldades na fala. Howard Gardner (1985) sugeriu
que as pessoas têm múltiplas inteligências e se criatividade é relacionada à
inteligência ela parece estar relacionada a um fator específico ou a uma forma
especial de inteligência (Heilman,2003). Criatividade requer uma expressão e
entendimento original de relações organizadas. Originalidade requer que a pena
criativa siga uma direção diferente dos modelos de entendimento e expressão
prevalentes, o que é chamado pensamento divergente. Deve haver dois componentes
para o pensamento divergente – desprendimento e desenvolvimento de soluções
alternativas. Para se encontrar uma solução criativa para um problema que até
então está sem solução é necessário alterar os meios e formas pelas quais se
tentou resolvê-los. Guilford, psicólogo com experiência em estudos psicológicos
sistemáticos em criatividade, apontou vários fatores envolvidos no pensamento
criativo: fluência do pensamento, fluência associacional – a produção de tantas
vivências quanto possível de uma dada palavra num tempo determinado; fluência
expressional – a produção e rápida justaposição de frases ou sentenças; a
fluência ideacional – a habilidade de produzir idéias que preencham certos
requisitos num determinado limite de tempo.
Guilford desenvolveu também dois outros
conceitos para o estudo do pensamento criativo: a flexibilidade espontânea – a
habilidade e disposição para produzir uma grande variedade de idéias, com
liberdade para mudar de categoria para outra categoria; e flexibilidade
adaptativa – a habilidade de apresentar soluções incomuns para resolver
problemas. Disto conclui-se que indivíduos criativos estão propensos a apresentar
pensamento divergente mais do que convergente (Jamison, 1996) .
MODELO
NEUROBIOLÓGICO DA CRIATIVIDADE
Pessoas criativas seriam consideradas buscadores
de novidades. Dentro do modelo psicobiológico de personalidade apresentado por
Cloninger et al. (1993) que inclui três temperamentos ou dimensões de caráter,
pessoas criativas seriam consideradas buscadores de novidades. Além de serem
capazes de ter pensamentos divergentes, pessoas criativas estão muitas vezes
buscando o que é novo e diferente.
Pessoas criativas, especialmente
escritores, compositores e artistas refinados, têm uma alta taxa de abuso de
substância tal como álcool (Post, 1994, 1996) . Vários pesquisadores chegaram à
conclusão de que os buscadores de novidade têm um risco aumentado para
drogadicção. Existe alguma evidência que a exposição ao novo ativa o sistema
dopaminérgico mesolímbico do cérebro.
Este é o mesmo substrato neural que
medeia os efeitos de recompensa de drogas de abuso, tais como álcool
(Heilman et al.,2003) Algumas drogas levam a diminuição
da excitabilidade e a criatividade é aumentada pelos estados de baixa
excitabilidade. Em contraste, algumas drogas tais como as anfetaminas, podem
impedir a produção criativa por elevarem a excitabilidade.
A criatividade depende da ativação de
representações altamente distribuídas, que permitam fazer inferências e
generalizações (Heilman et al., 2003). O cérebro é organizado em módulos e para
que haja criatividade, é necessário que esses módulos se comuniquem. Assim a
comunicação inter-hemisférica deve ser importante para a combinação de
conhecimentos e habilidades para a inovação criativa. De acordo com Eysenck
(1995), a genialidade é encontrada apenas em homens e haveria muitos fatores
culturais inibindo a criatividade nas mulheres. Todavia, há diferenças sexuais
na criatividade que não são relacionadas a fatores culturais, essas diferenças
devem estar relacionadas a diferenças estruturais do cérebro.
Ainda segundo Eysenck, enquanto o
cérebro masculino é maior do que o feminino, o córtex cerebral de mulheres tem
a mesma espessura do córtex do homem, sugerindo que a diferença de tamanho se
deva ao fato do homem ter muito mais substância branca do que a mulher. Pessoas
criativas talvez possuam habilidade de ativar redes mais difusamente
distribuídas (Mednick, 1962apud Heilman et
al.,2003).
Corroborando à teoria de conectividade
como fundamental para a criatividade, estudos mostraram haver declínio na
criatividade com o envelhecimento (Abra, 1989 Apud Heilman et al.,2993).
Estudos em pessoas não demenciadas mostram que a diferença no número total de
neurônios entre aqueles com 20 e 90 anos é de menos de 10% mas o comprimento
total da fibra mielinizada apresentou uma grande redução em função da idade
(Heilman et al,2003).
Um modelo neurobiológico de geração de
idéias assume um papel importante em três estruturas cerebrais: lobo frontal,
lobo temporal e sistema mesolímbico. Easterbrook (1959) e Eysenck (1995)
sugerem que alta excitabilidade cortical induzida pelo estresse é freqüentemente
associada a tentativas conscientes de resolver problemas, porém esta alta
excitabilidade deve suprimir a emergência de associações remotas e, ao
contrário, um nível baixo de excitabilidade cortical deve permitir que
associações incomuns se manifestem. Estresse é associado a altos níveis de
norepinefrina e estados de relaxamento à baixos níveis. Um estudo no qual
estudantes com ansiedade na realização de exames tomaram o beta-bloqueador
propanolol, mostrou que esta droga levou a uma melhora dramática em suas
pontuações no teste de aptidão escolar (Heilman et al.,apud Faigel, 1991).
Talvez o bloqueio beta-adrenérgico
melhore a desempenho neste teste porque ele reduza a influência da
norepinefrina nas redes neuronais, permitindo aumento na flexibilidade cognitiva
(Heilman et al.,2003). Estudos do limiar de excitabilidade fisiológico na
depressão, tal como determinado por análise de EEG, têm revelado que pacientes
deprimidos têm excitabilidade reduzida, o que é normalizado com o tratamento
(Nieber and Schlegel, 1992; Knott et al., 2000). Se baixos níveis de
excitabilidade fisiológica fazem com que se tenha aumento da extensão de
representações de conceito, promove pensamentos divergentes e aumenta a
flexibilidade cognitiva, então podemos supor que pessoas deprimidas tenham
maior propensão a ser criativas (Heilman et
al.,2003).
Estudos empíricos sobre criatividade têm
focado na importância do pensamento divergente – a capacidade de gerar novas
soluções para problemas frouxamente definidos.(Gibson et al. 2008). O
treinamento em pensamento divergente é relacionado à sincronização alfa do lobo
frontal ao eletroencefalograma (Fink et al., 2006). São observadas reduções no fluxo sangüíneo na
porção pré-frontal dorsolateral que podem estar relacionadas à relativa dificuldade
que têm os pacientes deprimidos em estarem atentos e de desenvolverem
pensamentos ou planos sobre atividades futuras. No lugar disso, eles estão
envolvidos em planos internos (introspecção e ruminação). A atividade reduzida
nos córtices pré-frontal dorsolateral e no cíngulo anterior que ocorre nos
deprimidos deve ser importante para a inovação criativa porque os lobos
frontais são a área cortical primária de controle do locuscoeruleus. Atividade
reduzida nas regiões frontais e do cíngulo, em razão do baixo input do
locuscoeruleus, poderia fornecer a base para a redução na norepinefrina
cortical, redução associada à inibição de estímulos internos e externos
irrelevantes e para o recrutamento de representações difusamente distribuídas
(Heilman et al.,2003)
NEUROPSICOLOGIA
DA CRIATIVIDADE
A criatividade tem sido associada ao
funcionamento inconsciente. Parece que
insightsmuitas vezes resultam de um processo onde um pensamento
consciente inicial é seguido por um período durante o qual o problema é
colocado de lado. Subseqüentemente, depois de um período sem pensamento
consciente, a solução ou idéia se apresenta. O estágio no qual se abdica do
pensamento consciente e durante o qual o inconsciente está trabalhando é
chamado de incubação (Dijksterhuis,2006).
Muitos cientistas têm relatado serem
capazes de resolver problemas científicos mais complexos durante o sono ou
quando estão acordando ou adormecendo. Dahae (1997) diz em seu livro “The
number sense” que “Eles (gênios da matemática) dizem que em seus momentos mais
criativos - o que alguns descrevem como iluminação, eles não pensam
voluntariamente, não pensam em palavras, não desenvolvem longos cálculos
formais. A verdade matemática aparece para eles às vezes mesmo durante o sono.”
(Heilman et al.,2003). Resolver um problema de insightrequer a reestruturação
do problema ou uma mudança radical na representação dos elementos do problema
(Bowden, Jung-Beerman, Fleck, Koinios, 2005; Duncker,1945). A progressão
durante o processo de solução de problema não se dá aos poucos, e sim envolve
uma súbita descoberta de uma solução, um fenômeno comumente chamado como a
“experiência do A-Ha”.
A dificuldade fundamental que se
enfrenta durante a solução de problemas é ter que descartar esquemas cognitivos
ativados e abordar o problema de uma perspectiva completamente nova. Assim, ele
requer pensamento associativo frouxo. Eysenck (1995) propôs que indivíduos
extremamente criativos tenham como característica o afrouxamento associativo e
estilo cognitivo super-inclusivo. Como resultado, seriam capazes de gerar
idéias inovadoras e incomuns. As idéias de Eysenck têm recebido apoio nos
achados que mostram que indivíduos com estilo cognitivo superinclusivo, como
aqueles com alto grau de psicoticismo, têm demonstrado ter mais habilidades
criativas (Karimi et al.,2007). Assim como acontece com pacientes
esquizofrênicos, indivíduos criativos muitas vezes relatam experiências
perceptuais e sensoriais estranhas, sensação de infatigabilidade e inclinação
para acessos impulsivos em associação à rejeição de valores sociais comuns. Já
que a inibição ou a supressão (por ansiedade ou outro estímulo mais forte)
poderia limitar a consciência e a abertura para estímulos internos e externos,
a libertação dessas forças poderia favorecer o pensamento associativo e assim,
a criatividade (Preti,1997).
Foi encontrada associação entre
dimensões de psicoticismo, características esquizotípicas e medidas de
criatividade (Rybakowski,J 2006). São 4 as dimensões de esquizotipia:
experiências incomuns contendo itens que se referem a aberrações perceptuais e
cognitivas e pensamento mágico; desorganização cognitiva, comportamento
violento e imprudente; e por último, anedonia introvertida (Nettle,D e Glegg,H
2006).
Vários estudos têm demonstrado
semelhanças entre pacientes bipolares e de seus familiares e pessoas criativas,
tais como índices aumentados de criatividade e características de temperamento
tais como ciclotimia, neuroticismo e abertura para novas experiências
(Rybakowski, J 2006).
O Neuroticismo, a ciclotimia e a
distimia podem contribuir para a criatividade. Dados produzidos por vários
estudos sugerem relação entre ciclotimia e criatividade (Kretschmer, 1931;
Andreasen,198; Akiskal e Akiskal,1988; Richards
et al.,1988; Akiskal et al., 2005a,b). Uma correlação entre NEO abertura
(Revised-NEO Personality Inventory) e criatividade está bem estabelecida
(McCrae,1987; King et al.,1996; Feist,1998; Dollinger et al.,2004), mas também
há evidência da conexão entre neuroticismo e criatividade (Kemp,1981; Andreasen
e Glick, 1988; Backer,1991; Hammond e Edelmann, 1991; Marchant-Haycox e Wilson,
1992). Além disto, modelos integrativos têm sugerido que ambos os componentes
cognitivo (por exemplo, abertura) e afetivo (ex.:neuroticismo) se relacionam
com a criatividade (Russ, 1993; Eysenck, 1995; apudStrong et al.,2007). Apesar
das potenciais complicações emocionais e interpessoais, a habilidade de
experimentar intensos afetos incomuns (neuroticismo) e variados (ciclotimia)
deve favorecer a inovação em indivíduos talentosos insatisfeitos com o corrente
estado da arte, ciência ou indústria. Em contraste, a flexibilidade cognitiva
associada à abertura pode ser uma garantia, não apenas para a criatividade, mas
também para as relações interpessoais. Nos estudos de Strong C M et.al.a abertura correlacionou-se com a
sub-escala BWAS -Barron-Welsh Art Scale-like (mas não com a BWAS-dislike ou com
a BWAS total), consistente com noção de que abertura permite ao sujeito a
melhor apreciação da complexidade e assimetria (Strong et al., 2007).
A depressão é uma desordem debilitante e
os sintomas que a definem incluem diminuição do interesse em todas as
atividades, perda de energia, indecisão e diminuição de concentração – não são
sintomas que se associam prontamente ao comportamento criativo. A falta de nexo
causal direto razoável entre humor depressivo e comportamento criativo faz
pensar que uma terceira variável seja responsável por isto. Verhaeghen (2005)
observou a relação próxima entre pensamento ruminativo auto-reflexivo e afeto
negativo, mais notadamente depressão. Em análises das altas taxas de
prevalência de transtorno mental em poetas do sexo feminino, Kaufman e Baer
(2002) propuseram recentemente um elo entre ruminação, depressão e a escrita
poética. Eles argumentaram que a introspecção e a ruminação que caracteriza
depressão possam também estar envolvidas na escrita poética. Estudos sugerem
que o estilo de pensamento ruminativo aumenta a vulnerabilidade à depressão e
mantém afeto negativo quando seu foco é em eventos de vida negativos ou quando
o indivíduo experi- menta estados de humor negativos frequentes (Verhaeghen,
2005). Ruminação pode ser ligada à criatividade. Particularmente em escritores
e poetas, um foco no selfe em seus próprios sentimentos pode ser parte importante
da atividade criadora.
É interessante notar que os pacientes
bipolares do estudo de Jamison, Germs, Hamm e Padesky (1980) (apud Verhaeghen)
referiram que seus quadros depressivos levaram ao aumento da sensibilidade
pelos seus sentimentos, o que eles afirmavam ter um impacto em sua criatividade
(Verhaeghen et al.,2005). Ramey e Weisberg (2004) correlacionaram a
produtividade e a qualidade de poesia de Emily Dickinson a diferentes períodos
de humor em sua vida para testar a hipótese de que sua bipolaridade tivesse um
efeito positivo na sua criatividade. (Fairweather).
A relação entre inteligência fluida, the
Big Five Traits (cinco grandes dimensões
de personalidade a saber: neuroticismo (Neuroticism- N), extroversão
(Extroversion- E), abertura para novas experiências (Openness- O), afabilidade
(Agreeableness- A) e concenciosidade (Conscientiousness-C), hipomania e as três
medidas de criatividade (inventário biográfico de comportamento criativo,
fluência em pensamento divergente, self-rated creativity) foi pesquisada por
Furnham et al.(2008). O Big Five Traitsé um modelo dimensional de
personalidade que foi construido por McCrae e Costa (1987) segundo o qual,
indivíduos que alcaçam altos escores em N seriam aqueles com tendência a
experimentar emoções negativas tais como depressão, ansiedade e raiva, tendendo
também a ser impulsivas. Àquelas que pontuam alto em E teriam propensão a
experimentar emoções positivas e a ser sociáveis, acolhedoras, alegres,
energéticas e assertivas. Já as pessoas que pontuam alto no O seriam criativas,
imaginativas e flexíveis em seus pensamentos, apresentariam tendência a ter
interesses os mais diversos e valores não convencionais. Os indivíduos com alto
escore em A teriam propensão ao altruísmo e a assumir funções de proteção
social, além de evitarem confrontações. Por último, aqueles com alta pontuação
no C seriam organizados, trabalhadores, determinados e disciplinados.
Existe evidência de que pessoas
criativas tenham consciência de suas habilidades. Vários pesquisadores têm
encontrado a criatividade ligada aos Big Five Traits: aumentada abertura (openess),
baixa afabilidade, baixa concenciosidade e alto neuroticismo (Batey,2007 Apud
Furnham et al.2008). Alto grau de traços esquizotípicos, que seriam
características não-disfuncionais que corresponderiam às formas atenuadas de
sintomas esquizofrênicos, confere vantagem na solução de problemas analíticos
que requeiram reestruturação e associações mais frouxas de pensamento, mas não
de outros tipos de resolução de problemas que demandem um estilo cognitivo
associativo mais fixo (Karimi et al., 2007). Estudos têm mostrado que,
pacientes maníacos, diferente de indivíduos normais e esquizofrênicos, tendem a
exibir grande pensamento combinatório. Caracterizado pelo surgimento de
percepções, idéias ou imagens em uma forma incongruente, as idéias antes
formadas se tornam “frouxamente amarradas e extravagantemente combinadas e
elaboradas” (Jamison,1996). Entretanto, para Bastos (2006), “não existe algo
como arte da loucura, mas apenas boa e má arte, arte com, e sem, valor
estético.
A arte da loucura nada mais é do que a
psicopatologia da arte. Apenas os psicóticos talentosos irão produzir trabalhos
de arte genuínos. A maioria irá criar trabalhos de grande importância
terapêutica, psicopatológica ou fenomenológica, mas de reduzido valor
artístico”.
CRIATIVIDADE
E BIPOLARIDADE
Apesar dos prejuízos e às vezes efeitos
letais dos transtornos do humor, um número marcadamente alto de indivíduos de
extrema criatividade parece sofrer de depressão e doenças relacionadas,
particularmente o transtorno bipolar (Andreasen e Glick, 1988; Jamison, 1989,
1993, 1995; Richards e Kinney,1989; Goodwin e Jamison, 1990) Apud (Strong et
al., 2007). Os trabalhos pioneiros de Andreasen e Jamison muito contribuíram
para despertar o interesse da comunidade científica sobre este tema.
Depois de três décadas de pesquisa,
existe evidência persuasiva, se não definitiva, da ligação da criatividade com
transtornos bipolares em particular (Akiskal, 2006). O compositor Robert
Schummann, por exemplo, escreveu a maior parte de seus trabalhos num estado de
hipomania e permaneceu silenciado durante os episódios de grave depressão
(Slater e Meyer, 1959) Apud Verhaeghen et al., 2005).
O psiquiatra suíço Eugen Bleuler traçou
um paralelo entre o pensamento maníaco e o pensamento artístico (Jamison,
1994): O pensamento do maníaco é fugidio. Ele pula de um tema para o outro e
não consegue aderir a nenhum. Com isso suas idéias surgem facilmente e
involuntariamente, até tão livremente que pode ser percebido como desagradável
pelo paciente. Por causa do fluxo mais rápido de idéias e especialmente por
causa das falhas na inibição, atividades artísticas são favorecidas,
facilitadas apesar de algo de valor ser produzido apenas em poucos casos e
quando o paciente já é talentoso nessa direção.
Outros estudos mostram que a produção de
rimas, trocadilhos e associações de palavras por assonância estão aumentadas na
mania e que muitos pacientes começam a escrever poesia espontaneamente no episódio
maníaco, muitas vezes sem nenhum interesse prévio tanto na leitura quanto na
produção de poema. Da dor extrema da melancolia mais profunda, às dores mais
suaves e o lado mais reflexivo e solitário das depressões leves podem ser
extremamente importantes para o processo criativo. Os insights manifestados na
escrita de pacientes levemente deprimidos surgem do fato de que eles se
tornaram auto-reflexivos e questionadores do sentido da vida. Trabalho criativo
pode agir não só como meio de fuga das dores, mas também como um caminho para a
reestruturação de pensamentos e emoções caóticos (Jamison, 1996) .
Pessoas com transtorno do humor bipolar
tendem a ser mais emocionalmente reativas, o que lhes dá mais sensibilidade e
percepção aguçada. Uma falta de inibição permite que eles tenham formas não
convencionais e desinibidas de se expressar, menos limitadas pelas normas e
costumes. Isto faz deles mais abertos à experimentação e ao comportamento de
risco e, como consequência, mais assertivas e empreendedoras que a média.
Sensibilidade e a falta de inibição os tornam mais acolhedores e amigáveis no
contato social.
Ambas as atitudes representam uma clara
vantagem ao nível profissional, particularmente quando a competição é maior.
Por serem mais sociáveis e menos inibidos para expressarem-se, os bipolares
podem difundir suas idéias com mais facilidade, permitindo que elas prevaleçam
sobre outras (Pretti). Kraepelin (1921) foi talvez o primeiro a notar que a
psicose maníaco-depressiva era freqüentemente associada a uma maior
criatividade (Weisberg, 1994). Pesquisadores tais como Pöldinger, 1986;
Andreasen and Glick, 1988; Richards et al., 1988; Slaby, 1992; Post,1996 têm
relatado que muitos dos mais criativos escritores, compositores, pintores e
cientistas têm sofrido de depressão, tanto bipolar quanto unipolar. A liga que
une o sonho, o descanso ou o relaxamento e depressão são as mudanças nos
sistemas de neurotransmissores. Em todos estes estados parece haver uma redução
das catecolaminas, incluindo norepinefrina (McCarley, 1982) (Heilman et al., 2003).
Os dois principais estudos realizados na
era precedente às categorizações sistemáticas das recentes classificações,
mostram que entre artistas e cientistas a prevalência de desordens mentais
graves é significativamente mais alta que na população geral, com uma
associação familiar forte entre criatividade, psicopatologia e taxas mais altas
de suicídio. Em 1926, Ellis relatou em seu estudo biográfico de 1030 gênios
britânicos que 42% tinham distúrbios mentais, incluindo demência senil (Chan,
D, 2001). Num estudo realizado na Alemanha entre 1927 a 1943, com 5000
indivíduos, Adele Juda, à época pesquisadora do Instituto de Psiquiatria de
Munique, avaliou a freqüência e distribuição de desordens psiquiátricas numa
amostra bem selecionada de artistas eminentes, cientistas renomados e seus
familiares.
O estudo mostra uma prevalência
significativamente mais alta de doença mental entre as pessoas eminentes e seus
familiares comparados a população geral. Entre os transtornos dos artistas o
espectro esquizofrênico e a psicopatia foram os mais comuns (Pretti). O estudo
de Juda permanece relevante tanto pelo seu escopo (mais de 5000 indivíduos
foram entrevistados durante o período de 17 anos) quanto pela sua tentativa de
trazer rigor metodológico para um campo tão subjetivo. Juda identificou que
embora dois terços dos 113 artistas e escritores eram “normais
psiquiatricamente”, existiam mais suicídios e indivíduos “insanos e neuróticos”
no grupo dos artistas do que se poderia esperar da população geral. As taxas
mais altas de anormalidades psiquiátricas foram encontradas em poetas (50%) e
músicos (38%). Taxas mais baixas foram encontradas em pintores (20%),
escultores (18%) e arquitetos (17%) (Jamison,1996).
Os irmãos, irmãs e filhos daqueles do
grupo de artistas estavam muito mais propensos a serem ciclotímicos, cometerem
suicídio, ou sofrer transtorno maníaco-depressivo do que indivíduos da
população geral; psicose foi muito mais comum nos netos do grupo de artistas.
Algumas décadas depois, J. karlsson (ApudPreti, 2007), num estudo na
Groelândia, relatou uma clara associação familiar entre o diagnóstico de
psicose e a eminência nos campos das artes ou ciência, baseado nas citações do
“Quem é quem” (“Who’s Who”). Um claro e reconhecível talento criativo estava
presente nos parentes de pacientes esquizofrênicos com freqüência duas vezes
maior que a população geral, e quanto aos parentes de pacientes
maníaco-depressivos, a freqüência foi seis vezes mais que a população geral
(Preti). Em 1971, McNeill comparou as taxas de psicopatologia em filhos
adotivos com criatividade baixa, acima da média e alta com a de seus pais
biológicos e adotivos (Jamison, 1993). McNeill concluiu que existia uma relação
significante e positiva entre doença mental e criatividade. E, mais importante,
que as taxas de doença mental dos pais biológicos foram positivamente e
significativamente relacionadas às habilidades criativas dos adotados,
sugerindo assim uma ligação genética entre criatividade e transtornos mentais
(Fairweather).
Em 1974, Andreasen e Canter avaliaram 15
escritores americanos que participavam de um workshop e os compararam a 15
controles não criativos pareados para status socioeconômico, idade e gênero.
Utilizando entrevistas não-cegas eles encontraram evidência de diagnóstico
psiquiátrico durante a vida, principalmente transtornos do humor e alcoolismo,
com freqüência significativamente maior em escritores do que em controles (73%
versus 20%) (Waddell).
Dra. Andreasen (1987) em seu estudo de
escritores do University of Iowa
Writer’s Workshoptambém
investigou a história familiar de escritores e controles. Comparou 30
escritores criativos com 30 controles pareados, incluindo parentes de 1° grau
dos dois grupos. Os escritores criativos e seus parentes de primeiro grau
mostraram taxas significativamente mais altas de transtorno bipolar, tanto
depressão unipolar quanto bipolar. 24 dos 30 escritores foram diagnosticados
com transtorno afetivo comparados com apenas 9 dos 30 participantes do grupo controle.
Dentre os parentes de 1° grau de escritores, 20% e dentre familiares de
sujeitos controle, 8% exibiram dotes criativos. O fato da doença mental e
criatividade terem se super-posto mais nos familiares dos escritores do que nos
controles fez com que Andreasen sugerisse uma associação familiar entre
criatividade e transtornos afetivos (Waddell).
Num estudo realizado em 1989, Jamison
estudou 47 artistas e escritores britânicos e verificou que 38% haviam recebido
tratamento para transtorno do humor em algum ponto de suas vidas (Waddell).
Arnold Ludwig revisou as biografias editadas no New York Times Book Review
durante um período de 30 anos (1960-1990) e seus achados foram consistentes com
os de Juda quando estudou artistas alemães e os de Jamison com escritores e
artistas ingleses. Ludwig encontrou as mais altas taxas de mania, psicose e
hospitalizações psiquiátricas entre poetas. Entre eles, 18% haviam cometido
suicídio. Compositores também mostraram altas taxas de psicose e depressão.
Quando Ludwig comparou artistas com
aqueles de outras profissões (tais como empresários, cientistas e funcionários
públicos) encontrou uma taxa de 2 a 3 vezes mais alta para psicose, tentativa
de suicídio, transtornos do humor e abuso de substâncias naqueles. A taxa de internamentos
psiquiátricos involuntários foi de 6 a 7 vezes maior no grupo de artistas,
escritores e compositores o que no grupo de outras profissões. 38% dos
escritores e artistas haviam feito tratamento para transtorno do humor.
Destes, ¾ tinham usado antidepressivo ou
lítio, ou haviam sido hospitalizados. Os poetas estavam entre aqueles que
requeriam mais antidepressivos e eram os únicos a necessitarem intervenção
médica (hospitalização, ECT ou lítio) para mania. Aproximadamente 1/3 dos
escritores e artistas relataram histórias de intensas mudanças de humor que
foram de natureza essencialmente ciclotímica (Jamison). Em outro estudo, Ludwig
(1992) verificou que 18% dos poetas haviam cometido suicídio enquanto artistas
tiveram taxa 2 a 3 vezes maior de transtorno do humor, psicose e suicídio do
que a população geral. A taxa de hospitalização involuntária entre artistas,
escritores e compositores foi 6 vezes maior que a de controles normais.
Incidência semelhante foi encontrada em
vários outros estudos (Juda, 1949; Andreasen, 1987 e 1995; Jamison, 1989) Dra.
Ruth Richards et al. de Harvard, levantaram a hipótese de que a vulnerabilidade
genética para TBH poderia ser acompanhada de uma predisposição para
criatividade. Esta predisposição seria maior entre os familiares dos pacientes
bipolares do que neles mesmos. Selecionaram 17 pacientes bipolares e 16
ciclotímicos junto com 11 de seus parentes de primeiro grau sem a doença,
utilizando critérios que garantiram a inclusão de transtorno do espectro
bipolar. Esses pacientes e familiares foram comparados com 15 controle normais
e 18 controles com outros diagnósticos psiquiátricos pessoais ou familiares –
TBH, ciclotimia, transtorno esquizoafetivo, esquizofrenia e suicídio.
Utilizando a Lifetime Creativity Scales – Escala de Criatividade para a Vida
Inteira, que avalia o envolvimento criativo em atividades profissionais e de
lazer, encontraram escores significativamente mais altos nos pacientes
bipolares e ciclotímicos e seus parentes de 1° grau do que nos controle (Jamison).
Jamison (1993) concluiu, a partir de
levantamento da literatura, que a doença depressiva é 8 à 10 vezes mais
prevalente em escritores e artistas do que na população geral e mais, que
escritores e artistas tinham 10 vezes mais chance de cometerem suicídio
(Santosa et al.,2007). Jamison (1993) examinou a vida dos maiores poetas
irlandeses e britânicos nascidos entre 1705 e 1805, focando o papel do humor
durante o processo criativo. Uma grande proporção de participantes no estudo
relatou mudanças no humor, cognição e comportamento que precediam ou coincidiam
com os períodos criativos e produtivos. As mudanças mais comumente referidas
que ocorreram durante os períodos criativos foram “aumento do entusiasmo,
energia, autoconfiança, velocidade de associação mental, fluência de
pensamentos e humor elevado, e uma forte sensação de bem estar.
Jamison salienta que essas mudanças se
sobrepõem aos critérios usados para identificar hipomania (Fairweather). Ela
encontrou uma intrigante alta taxa de transtorno do humor, suicídio e
institucionalização entre artistas e escritores e seus familiares. Baseando sua
pesquisa em informações biográficas e autobiográficas, Jamison concluiu que os
poetas que ela examinou tinham trinta vezes mais chance de serem afetados pelo
transtorno bipolar I e quase vinte vezes mais chance de sofrer do transtorno
depressivo maior. Ludwig (1994) incluiu 59 escritores e um grupo controle e
relatou que enquanto 59% dos escritores estavam deprimidos, apenas 9% do grupo
controle preenchiam critérios diagnósticos para depressão. Em seu levantamento
da biografia de 1005 indivíduos eminentes que viveram no século XX, Ludwig
(1995) encontrou uma prevalência 50% para a vida toda de depressão entre
artistas e de 20% para aqueles do campo dos empreendimentos, 24% dos cientistas
e 27% de figuras sociais importantes. Particularmente vulneráveis a depressão
foram os poetas (77%), os escritores de ficção (59%) e artistas visuais (50%)
(Waddell,1998). Em 1994, o grupo de Schildkrant avaliou as biografias de 19
artistas americanos e verificou que 50% sofriam ou de depressão ou de
ciclotimia, 33% abusavam de álcool e 40% já haviam recebido tratamento
psiquiátrico. Também em 1994, Post estudou 291 biografias de homens eminentes
em arte, literatura, ciência e liderança política. Encontrou altas taxas de
desordens psiquiátricas em escritores e artistas. Em estudo posterior de biografias
de escritores Post encontrou altas taxas de depressão e alcoolismo.
(Waddell,1998).
É interessante notar que os pacientes
bipolares do estudo de Jamison, Germs, Hamm e Padesky (1980)(apud Verhaeghen)
referiram que seus quadros depressivos levaram ao aumento da sensibilidade
pelos seus sentimentos, o que eles afirmavam ter um impacto em sua
criatividade. Ramey e Weisberg (2004) correlacionaram a produtividade e a
qualidade de poesia de Emily Dickinson a diferentes períodos de humor em sua
vida para testar a hipótese de que sua bipolaridade tivesse um efeito positivo
na sua criatividade. (Fairweather). Em um estudo caso-controle randomizado
Pavitra et al.(2007) compararam o perfil de pessoas
criativas,músicos e escritores, com o de pessoas não criativas utilizando
instrumentos que identificaram morbidade psiquiátrica ligada ao estresse,
traços de personalidade, estratégias para lidar com problemas entre outros
(sociodemo-graphic data sheet; General Health Questionnaire GHQ-28; SCAN 2.1
version; Perceived Stress Scale; NEO-5 factory Inventory; Coping Checklist). Um
número alto de escritores tinha familiares engajados em atividades criativas e
100% dos músicos tinha história familiar de criatividade. A morbidade
psiquiátrica foi mais elevada naqueles indivíduos criativos, especialmente
transtornos do humor.
Num estudo de caso-controle, em 1994,
Andreasen expandiu sua amostra para 30 escritores que foram comparados usando
entrevistas não-cegas com 30 controles “não-criativos” pareados para idade,
gênero, status socioeconômico e inteligência. Escritores tiveram prevalência ao
longo da vida significativamente maior que controles para todos os transtornos
do humor (80% versus 30%), para transtorno bipolar (43% versus 10%) e para
alcoolismo (30% versus 7%). (Waddell,1998).
O pintor norueguês Edvard Munch, que foi
hospitalizado diversas vezes por doença psiquiátrica disse: “um alemão disse
uma vez para mim: ‘mas e se você pudesse se livrar de muitos de seus
problemas’. No que eu repliquei: “Eles são parte de mim e da minha arte. Eles
são indistinguíveis de mim e isso iria destruir minha arte. Eu quero manter
esses sofrimentos.” (Stang,1979). A este respeito Jamison (1993) pontuava haver
uma preocupação comum entre muitos artistas e escritores, a de que o tratamento
psiquiátrico tirem deles a inspiração oriunda dos extremos de experiência
emocional já estas que seriam partes integrantes não da condição humana, mas de
suas habilidades como artistas.(Bartlett).
Utilizando uma base de dados
populacional e um instrumento econométrico tradicional – logitmultinominal,
para analisar o desempenho ocupacional daqueles com transtorno bipolar do humor
e da população geral, Tremblay (2004) encontrou alguma evidência da
concentração de bipolares em setores de serviço, administração e em
profissionais liberais (que inclui artistas, músicos, autores). Foram
observados níveis educacionais e de criatividade profissional muito mais altos
entre os bipolares que a média da população geral.
Finalmente, empregando métodos
não-paramétricos de estimativas de densidade para o índice de criatividade
ocupacional para as amostras de bipolares e não bipolares, foi visto que a possibilidade
de engajamento em atividades criativas no trabalho é maior para trabalhadores
bipolares (Tremblay et al., 2004).
Embora haja escassa literatura no Brasil
sobre o tema, a conexão entre genialidade e bipolaridade vem sendo investigada
através de estudos epidemiológicos, neuropsicológicos, neurobiológicos,
genéticos e até econométricos em vários países do mundo. O senso comum sempre
considerou que os gênios fossem pessoas altamente criativas, facilmente não
compreendidas, muitas vezes esquisitas ou mesmo loucas (Eysenck, 1995).
Houve desde sempre, associação mesmo que
laica, entre excentricidade e genialidade. Nas últimas três décadas as
pesquisas sobre o assunto se intensificaram e resultados que apontam para a
existência desta relação vêm se avolumando e tomando corpo. Não há como ignorar
esses dados. Estudos têm demonstrado a relação entre criatividade e transtorno
bipolar em indivíduos e sugerido transmissão familiar para ambos criatividade e
transtorno bipolar (Simeonous et al. 2005). Uma maneira de abordar esta conexão
é através de estudos históricos e biográficos. Tais estudos têm demonstrado que
indivíduos altamente criativos dentre artistas e escritores têm 2-3 vezes mais
psicose, transtorno do humor e suicídio se comparados com profissionais menos
criativos (Ludwig,1992, 1995; Jamison, 1993; Post, 1994, 1996; Schildkraut et
al., 1994). Outra maneira de abordar e estudar esta relação é através de
pesquisa envolvento artistas vivos.
Andreasen (1987), por exemplo, estudando
30 escritores eminentes, verificou que 80% deles tinham história de ter tido
pelo menos um episódio de transtorno do humor em suas vidas. Já podemos afirmar
que existem muitos indícios do caráter hereditário da criatividade e que de
fato alguns padrões de pensamento encontrados em pacientes deprimidos tais como
o pensamento ruminativo auto-reflexivo e maníacos tais como afrouxamento de
associações assim como algumas dimensões da personalidade: psicoticismo, alto
neuroticismo, alta abertura para novas experiências, baixa afabilidade e baixo
conscientioness favorecem a atividade criativa. Não estamos aqui afirmando que
os transtornos afetivos ou do humor determinem ou mesmo predisponham à
genialidade, mas que existe realmente uma correlação entre os dois fatos.
Contrariando estas hipóteses, em um
estudo mais recente sobre criatividade e a diátese bipolar, Shapiro e Weisberg
(1999) não acharam indicação de associação entre sintomas depressivos e
criatividade. Em adição, o achado de que a ingestão de estabilizador de humor,
tais como o lítio, melhora a produtividade no lugar de diminuí-la, sugere que o
episódio depressivo por si só é muito debilitante, como esperado pelos seus
sintomas definidores. (Verhaeghen et
al., 2005).
Não existe dúvida de que humor negativo
e o poder da mania pode às vezes dar contribuição positiva ao pensamento
criativo, mas elas obviamente não produzem isso em cada sofredor de humor
anormal. É típico de qualquer pessoa que se engaja em trabalho criativo se
sentir excitada, em elação, talvez eufórica ou em êxtase, sentir aumento da
autoconfiança, eficiência mental combinada com concentração mais focada,
apetência, talvez expansividade e clareza mental elevada. E, em paralelo,
infelicidade, tristeza profunda e pesar podem, não menos, serem parceiros internos
do esforço criativo (Bartlett).
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