Blog
“Genialidade e Superdotação”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Autoria:
1 - Marco
Antônio Rotta Teixeira – UNESP. Psicólogo, mestrando pela FCL UNESP–ASSIS.
2 - Francisco
Hashimoto – UNESP. Professor livre-docente do Curso de Psicologia da FCL
UNESP–ASSIS.
RESUMO
Uma das principais formas de
manifestação do sofrimento psíquico presente no final do século passado foi a
depressão, tendo ficado comum se referir a tal período como “era das
depressões” (ROUDINESCO 1998, 1999) em comparação ao final do século XIX que
fora marcado pela histeria. Muitos estudos se dedicaram a compreender a
depressão e nota-se claramente duas correntes oriundas do século XIX que se
desenvolveram concomitantes no século XX: a psicanálise e a psiquiatria. A
primeira, iniciada por Freud, tem seus estudos dirigidos aos conflitos
psíquicos e aos processos mentais relacionados, com ênfase aos aspectos
psicogênicos. Já a psiquiatria, representada por Pierre Janet, enfatiza a
dimensão orgânica e alimenta a visão biológica da depressão. Seguindo a tradição
Kraepeliana, os psiquiatras põem ênfase em um déficit ou insuficiência orgânica
e biológica, muitas vezes, uma deficiência inata.
Adotam ainda a observação e descrição de
síndromes e enumeração de sintomas, o que poderia dirigir suas estratégias
terapêuticas. Desta forma apostam na terapêutica farmacológica, através da administração
de antidepressivos que regulam a produção de neurotransmissores. (PERES, 2003).
Moreira (2002) afirma que na psiquiatria atual há uma tendência em se usar o
termo depressão como sinônimo e em substituição ao termo melancolia. Em um
estudo sobre a depressão, Berlinck & Fédida (2002) mostram que as recentes
publicações psiquiátricas tendem a dissolver a melancolia na depressão e que
aquilo que no passado era chamado de melancolia hoje é denominado de depressão.
A depressão então, de acordo comestes autores, seria apenas uma nova roupagem
para o que nos séculos passados, era chamado de melancolia. (MOREIRA, 2002;
PERES, 1996, 1999, 2003; DELOUYA, 2001, RODRIGUES, 2000). Na corrente
psicanalítica estabeleceu, uma distinção entre a melancolia e depressão: a
depressão seria um estado mais brando e
estaria presente nas neuroses de uma forma geral, sendo ela o foco
principal ou não da patologia. Já a melancolia seria uma forma aguda e
acentuada de um estado depressivo presente nas psicoses (PERES, 2003). Mesmo
com a depressão tendo ganhado atenção do desenvolvimento científico no século
XX, Moreira (1992) afirma que a bibliografia sobre o tema depressão-melancolia
é fértil em afirmar a falta de consenso e a diversidade de definições. Segundo
a autora a dissolução do termo melancolia no termo depressão produziu uma
“invisibilidade da melancolia”. Seguindo as indicações de Moreira e Berlinck,
este trabalho pretende retornar as origens da melancolia, desde seu primeiro aparecimento
na Grécia antiga para compreender como se sucedeu tal problemática no século XX.
Melancolia é o termo mais antigo para a
patologia dos humores tristes. Entretanto a melancolia nem sempre esteve sob o
domínio do campo psiquiátrico ou psicanalítico. O termo melancolia e suas
diferentes formas de uso estão relacionados com sua história: o termo é muito
antigo, anterior ao advento das ciências modernas. Suas origens remontam à Grécia
antiga, alguns séculos antes de Cristo, época em que arte, tragédia e filosofia
se encontravam. Nas obras de arte, nos escritos literários, nos textos da antiga
filosofia com Aristótelese nos textos da pré-história médica, daquele que é
considerado o pai da medicina – Hipócrates. Também na bíblia encontramos a
presença da melancolia, a velha imortal, que resistiu aos tempos, arrolou-se
pelos séculos, habitou os velhos mosteiros, passeou pelas terras medievais,
presenciou o nascimento das grandes cidades, sucedeu a terrível peste negra,
adentrou o renascimento, foi musa do romantismo e resistiu forte até meados do
século XIX, período em que foi substituída pela depressão. (SCLIAR, 2003)
Viajemos de volta no tempo, guiados por
Scliar (2003) e Peres (1996, 1999, 2003), para acompanharmos a trajetória da
melancolia, desde sua origem: oriente médio, Israel. Nós a encontramos nos
textos da Bíblia, antigo testamento cerca de 900 a. C. A melancolia aparece, de
maneira mais notável em Saul, o “melancólico” rei de Israel, nomeado por Samuel.
Porém, Scliar (2003, p.64) nos adverte: “Melancólico é o adjetivo que mais comumente
se aplica a ele (não, porém no texto bíblico: o termo só surgiria séculos depois)” (SCLIAR, 2003, p.66).
Do oriente médio para o mundo grego da
era clássica, o sofrimento melancólico é encontrado na Ilíada (cerca de 850 a.
C.) de Homero, na descrição do sofrimento do herói Belero fonte (canto IV,
versos 200-203) que foi condenado a vagar na solidão e desespero (PERES, 1996,
2003). No século V a. C., a melancolia se apresenta nos escritos de Hipócrates
de Cós(460-377 a. C.), considerado o pai da medicina: é a ele atribuído a origem
daquele termo, que é definido “como um
estado de tristeza e medo de longa duração” (GINZBURG, 2001; SCLIAR, 2003, p.
68-69). A melancolia aparece em Hipócrates diferenciada em endógena – aquela
que aparece sem motivo aparente – e exógena, surge em resultado de um trauma
externo. Nas palavras de Scliar: “A melancolia, sintetizou o “pai da medicina”,
é a perda do amor pela vida, uma situação na qual a pessoa aspira à morte como
se fosse uma bênção.” (2003, p.70) É através da “teoria dos humores” que Hipócrates
explica a melancolia. O temperamento dependia do equilíbrio de quatro humores
básicos no corpo. O acúmulo de algum dos elementos dos humores resultava no
predomínio de determinado temperamento. Finalmente a bílis negra, representava
o outono, e como a terra, era fria e seca, tornando-a hostil a vida e podendo ocasionar
a melancolia, uma doença resultado do acúmulo de bílis negra no baço. A teoria da
bílis negra como causadora da melancolia irá, como veremos adiante, transpor os
séculos nos escritos de diversos pensadores, ainda que com variações.
Importante destacar que na concepção de
Hipócrates, a melancolia é
apresentada como uma doença (GINZBURG 2001, SCLIAR, 2003; PERES, 1996)
É da teoria da bílis negra que se cunha
o termo melancolia. Este é derivado do grego melas(negro) e kholé (bile) que corresponde à transliteração
latina melaina-kole(KRISTEVA, 1989;
RODRIGUES, 2000; ROUDINESCO & PLON, 1998). Ainda na Grécia Antiga, poucos
séculos antes de Cristo, a melancolia é a protagonista em um tratado de
Aristóteles(384-322 a.C.), a “Problemata 30”. Neste tratado há uma interessante
relação, referente a melancolia, entre a
genialidade e a loucura.
Segundo Aristóteles existe um tipo de
melancolia natural que devido a ação da bílis negra tornaria seu portador
genial. A melancolia é colocada como condição de genialidade, responsável por
capacidades distintivas; neste tratado muitos heróis míticos e filósofos são considerados
melancólicos. A criação e a melancolia ficam associadas: o homem triste é também
um homem profundo. Os melancólicos são homens excepcionais por natureza e não
por doença, concepção que difere de
Hipócrates.Essas duas concepções opostas, a hipocrática e aristotélica,
marcaram o pensamento ocidental moderno
sobre a melancolia, de modo que as reflexões sobre o tema estão ligadas
a estas basesantigas. (GINZBURG, 2001; SCLIAR, 2003; PERES, 1996).
No mundo clássico a melancolia continua
presente nos escritos de Aulus Cornélius
Celsus(25a.C.–50d.C.) que recomenda a exposição ao sol para o tratamento da
melancolia. Rufus de Éfiso(98-117) também considerava que a melancolia era
originada pela bílis negra (SCLIAR,
2003). Galeno de Pérgamo(129-200)
compartilhava com as visões de seus antecessores em relação a melancolia.
A medicina árabe dos séculos IX e X
influenciaram a medicina ocidental até a renascença. Os autores árabes
estabeleceram uma relação entre a teoria dos humores de Hipócratese astrologia.
O humor melancólico é ligado a influência de saturno, que no corpo humano
governava o baço, sede da bílis negra. Vem daí a qualificação humoral de soturno,
que designa a pessoa triste, sombria, e silenciosa, expressão esta que se tornou sinônimo de melancólico. A
influencia de Saturno não se exercia porém,
em pessoas vulgares, mas sim em pessoas extraordinária: fica assim
mantida a ligação aristotélica entre melancolia e genialidade (SCLIAR, 2003;
PERES, 2003).
Na idade média, no séc XII, o estudo da
melancolia tem como principal representante, a escola de Salermocom sua
doutrina dos temperamentos. A teoria da melancolia, nesta época aparece também
vinculada à ciência árabe e à astrologia, onde Saturno é tido como o astro que
guia e governa o melancólico.
Constantinus Africanus (1010- 1087), traduziu para o latim a partir do
árabe Hipócrates e Galeno, conservando assim
as concepções destes autores nesta época.
Na renascença a melancolia tornava o
homem capaz de produção intelectual e artística, havia ainda presença da
concepção aristotélica, que concebia a genialidade aliada à condição daquele
estado. No século XVI, época da primeira aparição da palavra psicologia e do crescente
interesse pelo estudo da mente, a melancolia – como uma doença – começa a ser
estudada abundantemente por médicos e pensadores. As fronteiras entre medicina
e filosofia eram tênues, entretanto, o conceito de melancolia era mais
filosófico.
Ainda predominava a teoria dos humores,
que segundo Scliar (2003, p.78) constituiu-se em uma “metáfora poderosa”: “a
teoria humoral permaneceu praticamente intocada durante quatorze séculos”. Na
verdade as teorias da época seguiam duas correntes: os adeptos da corrente
aristotélica, que colocavam a melancolia como condição de erudição, genialidade
e dotes para a arte; e os da corrente hipocrática ou galênica, caracterizando a
melancolia tão somente por um distúrbio de humores.
Portanto não havia um consenso a
respeito da melancolia como doença. Questão que sofrerá profundas mudanças com
o advento da ciência mental, como
veremos mais adiante. Da vita tríplice – manual escrito pelo renascentista Marsilius Ficinus (1433-1499), médico,
filósofo, mago, astrólogo e, melancólico - reunia quatro teorias sobre a
melancolia: a hipocrática (teoria dos humores), a platônica (poesia e furor), a
astrológica (Saturno e melancolia) e a aristotélica (melancolia e genialidade).
Este estudioso considerava a melancolia um grande tormento, mas também uma
grande oportunidade para os homens de estudo. Lutero, na Reforma, instala a
melancolia entre os grandes homens impossibilitando a expiação da culpa pelas
ações. O barroco é dominado pelo espírito melancólico, herança de dois
milênios, predominando neste universo o ensimesmamento, a autocontemplação e a culpabilização.
(PERES, 1996, 2003).
Vai havendo uma modificação, onde no
séc. XVIII a melancolia é analisada pelas qualidades: inibição, solidão,
amargura e tristeza. No romantismo, a melancolia foi marca constante, movimento
no qual o termo designava o amor pelos aspectos selvagens e melancólicos da
natureza. Segundo esta visão a melancolia é atributo de valor: seu estado é valorizado,
algo que nos remete diretamente a tese aristotélica (GINZBURG, 2001; PERES,
1996, 2003).
Nos fins do século XVII e início do
XVIII, começam os estudos das perturbações mentais pela antiga medicina. Já no
fim do século XVIII, a melancolia é considerada uma patologia delirante. Neste
momento a melancolia passa também a ser
alvo de estudo dos alienistas e é apropriada pela ciência médica. Jean-Étienne
Esquirol (1772-1840), cunhou na França o termo lipomania ou mono-mania triste
(lypémanie emono-manie), para definir a
melancolia: tristeza, abatimento e desgosto de viver, acompanhados por um delírio em uma idéia fixa.
Posteriormente a melancolia foi aproximada da mania sob o nome de loucura
circular por Jean-Pierre Falret (1794-1870). Na Alemanha, Emil Kraepelin (1856-1926) integrou a
melancolia à insanidade maníaco-depressiva, dentro da seção daspsicoses, fundindo-se
mais tarde à psicose maníaco-depressiva. Kraepelin continuou a usar o termo melancolia
e seus subtipos, utilizando o termo depressão para descrever afetos. (AMARANTE,
1996; FARINHA, 2005; PERES, 2003)
Com o desenvolvimento científico, no
século XIX, começou-se uma preferência pelo termo depressão em detrimento do
termo melancolia. O termo depressão entrou em uso na psiquiatria européia por
volta do séc. XVIII, vindo do francês a partir do latim, de-premere, que significa pressionar para
baixo. No início, seu uso foi introduzido em associação ao termo melancolia
(DELOUYA, 2001). Segundo Moreira (2002), e também Delouya (2002), a
substituição do termo melancolia pelo termo depressão, se deveu a uma tendência
na psiquiatria no final do século XIX e durante a sua consolidação no século
XX.
Moreira (2002) revela que os
desenvolvimentos psiquiátricos e seus movimentos de substituição do termo,
criaram o que ela chama de
invisibilidade da melancolia. Foi Adolf Meyer (1866-1950) que favoreceu
a substituição do termo melancolia por depressão, já que o primeiro fazia apelo
a um estado do romantismo muito presente na literatura e inadequado a ciência
psiquiátrica, que estava em pleno desenvolvimento. (DELOUYA, 2001; FARINHA,
2005; MOREIRA, 2002; PERES, 1996, 1999, 2003;).
Chegamos finalmente no início do século
XX, no qual temos duas correntes interpretativas concomitantes, no que se
refere ao problema da depressão-melancolia: a psiquiátrica e a psicanalítica. A
psiquiatria passa a se consolidar definitivamente no século XX, dando ênfase à
dimensão orgânica e alimentando a visão biológica da doença mental. Seguindo a
tradição Kraepeliana, os psiquiatras põem ênfase em um déficit ou insuficiência
orgânica e biológica, muitas vezes, uma deficiência inata. Apostam ainda na
observação e descrição de síndromes e enumeração de sintomas, o que poderia
dirigir suas estratégias terapêuticas. Desta forma apostam na terapêutica
farmacológica, através da administração de antidepressivos que regulam a
produção de neurotransmissores. (PERES, 2003)
A outra corrente, a psicanalítica,
representada inicialmente por Freud, com ênfase no conflito psicológico, nos
fatores relacionados à dinâmica do psiquismo,
e sempre colocada no campo das questões psicogênicas (PERES, 2003).
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
AMARANTE,
P.
O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria.Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 1996.
BERLINCK,
M. T.; FÉDIDA, P. A clínica da Depressão: questões atuais. In
BERLINCK,
M. T.
Psicopatologia Fundamental. São Paulo: Editora Escuta, 2000.
DELOUYA,
D.
Depressão estação psique. São Paulo: Escuta: Fapesp, 2002. _____. Depressão.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.
FARINHA,
S. A depressão na atualidade – um estudo
psicanalítico. Dissertação de mestrado. Universidade federal de Santa Catarina.
Florianópolis, 2005.
GINZBURG,
J. Conceito de melancolia.in A clínica da melancolia e as depressões. Revista
da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. n. 20, 2001.
MOREIRA,
A. G. C.
Clínica da melancolia. São Paulo: Escuta/Edufpa, 2002. _____. A concepção de melancolia em Freud e Stein:
uma interpretação sobre Eva, personagem de Sonata de Outono, de Bergman.
Dissertação de mestrado. PUC – SP, 1992.
ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAUDE (coord).
Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10:
Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas.
PERES,
U. T. Melancolia.
São Paulo: Escuta, 1996.
_____ Mosaico de letras: ensaios de
psicanálise. São Paulo: Escuta, 1999.
_____ Depressão e melancolia. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
RODRIGUES,
J. S. F.
O Diagnóstico de depressão. In Psicol. USP v.11 n.1 São Paulo 2000.
ROUDINESCO,
E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Trad.Vera Ribeiro;
Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
SCLIAR,
M. Saturno
nos trópicos: a melancolia européia chega ao Brasil. São Paulo: Cia das Letras,
2003.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sintam-se à vontade para enriquecer a participação nesse blog com seus comentários. Após análise dos mesmos, fornecer-lhe-ei um feedback simples.