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“Genialidade e Superdotação”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Autoria:
Denise
Oliveira da Silva. Universidade Federal de Alagoas.
RESUMO
No conto “O fantasma de Canterville”, Oscar
Wilde aborda a questão da desvalorização da arte pelos burgueses, novos ricos
desprovidos de cultura e tradição que alegavam que o artista cobrava caro por
uma simples “mercadoria”. Reagindo à diminuição do seu trabalho, os artistas
procuram chocar a burguesia, como podemos perceber na obra em análise, cujo
autor tece críticas através de sua arte: discute a rivalidade entre Inglaterra
e Estados Unidos na Era Vitoriana. Critica de modo bem-humorado e sarcástico
tanto o comercialismo e a falta de cultura dos americanos, quanto a arrogância
e a decadência dos ingleses.
Em toda a obra de Oscar Wilde
(1854-1900) perpassa um humor sarcástico, ferino e certeiro, que atingia em
cheio seus contemporâneos, pessoas poderosas, que se sentiam desconfortáveis
com suas críticas. O mesmo ciclo de pessoas que o aplaudiu, o desprezou logo
após sua prisão em 1895. Até então Wilde só conhecia o sucesso, que durou uma
década, de 1880 a 1890. Durante esse período, ele foi muito prestigiado na
Inglaterra. Talvez ele tenha sido condenado não pela opção sexual, mas por
vingança, por parte da sociedade que ele ironizava, como podemos perceber na
seguinte citação: “(...) Uma sociedade que, diga-se, ele adulava com uma mão e ironizava
com a outra, fazendo questão de desmontar com suas tiradas a hipocrisia reinante
na aristocracia britânica” (Cult,n. 40,2000: 52).
Personalidade singular, Wilde se
destacava em vários gêneros, tais como: a oratória, o romance, a poesia, o
teatro, sendo também um brilhante epistológrafo e criador de frases de efeito.
Tudo que escreveu continua sendo cada vez mais lido, sua obra não envelhece,
como cita Jorge Luis Borges, no prefácio de Chá das cinco com Aristóteles e
Outros artigos: “A obra de Oscar Wilde não envelhece. É tão atual que bem
poderia ter sido escrita esta manhã.”
O conto em análise, “O fantasma de
Canterville”, é controverso, bem-humorado, crítico, inteligente e inovador, tal
qual seu autor. Propõe uma ruptura com o estilo tradicional de conto, como os
contos de Sherazade, por exemplo. Fazendo um contraponto entre os referidos
contos, temos o ato de contar como resistência à morte: Sherazade vs. o ato de
contar como desafio à morte: Wilde. Este desafiava as forças vigentes da
sociedade inglesa, de forma irônica e requintada, tocava no “Calcanhar de
Aquiles” dessa aristocracia, sua audácia chegava a ser corajosa.
“O fantasma de Canterville” pode ser
visto como uma paródia baseada nas estórias de fantasma, muito comuns na época
em que o conto foi escrito. Num tom irônico, Wilde trata da oposição entre a
aristocracia britânica e o “American way of life”.
Conforme os seguintes trechos:
De fato, o próprio lorde Canterville,
que era um homem muito escrupuloso em questões de honra, viu-se no dever de
mencionar o fato ao sr. Otis quando discutiram os termos da compra. (...) o
fantasma foi visto por diversas pessoas da minha família (...) freqüentemente
lady Canterville mal conseguia dormir à noite.(...) — Senhor —respondeu o ministro
—, ficarei com os móveis e o fantasma pelo preço combinado. (...)
Mas fantasmas não existem, senhor, e
suponho que as leis da natureza não serão suspensas por causa da aristocracia
britânica (Wilde, 1996:5-6).
(...) os Cantervilles têm o sangue azul,
por exemplo, o mais azul em toda a Inglaterra, mas sei que vocês americanos não
ligam para essas coisas.
(...) estou certa de que o senhor fará
um enorme sucesso, uma vez em Nova York. Conheço muita gente lá que daria 100
mil dólares para ter um avô, e muito mais ainda para ter um fantasma na
família(Wilde, 1996:37).
O texto de Wilde é impregnado de ironia.
Há críticas recíprocas por parte dos dois países citados na trama. O autor
satiriza tanto a Inglaterra quanto os Estados Unidos, mostrando os aspectos
peculiares aos dois países, sejam negativos e/ou positivos, conforme quadro a
seguir:
Os americanos, representados pela
família do ministro Otis, são modernos, ricos, industrializados. Como não
poderia deixar de ser, Wilde, artista que era, dá suas alfinetadas sutis no que
diz respeito à industrialização e, conseqüentemente, à comercialização da arte
nos dois países, mesmo porque também conhecia os Estados Unidos. Assim comenta
o ministro americano, novo proprietário do castelo inglês:
(...) Venho de um país moderno, onde
temos tudo o que o dinheiro pode comprar; com todos os nossos ativos jovens se
esbaldando no Velho Mundo e levando embora seus melhores atores e prima-donas,
creio que, se ainda houvesse na Europa um verdadeiro fantasma, já o teríamos
conosco em algum museu público, ou exposto nas ruas, em espetáculo (Wilde,
1996: 6).
No livro O que é conto, a autora Luzia
de Maria dá uma idéia do contexto social dessa época:
(...) Pano de fundo das modificações
artísticas, estão as modificações histórico-sociais que engendram os modos de
vida em cada época. A arte é, sempre, a expressão de um ser sensível ante o real
com que se defronta. E, no século XIX, vão-se consubstanciar, realmente,
mudanças que os tempos de modo gradativo vinham germinando. A Revolução
Industrial e o conseqüente declínio do artesanato, a ascensão da classe
burguesa — a presença dos novos ricos, sem qualquer lastro de cultura e
tradição —, a produção em série de bens vulgares e pretensiosos freqüentemente
nomeados como “Arte” —- tudo isso havia deteriorado o gosto do público, marcando
profunda dissociação entre o artista e o receptor de sua arte (Maria, 1984: 78)
De uma posição, se o negociante não
respeitava o artista, considerava-o um impostor que cobrava caro por um
trabalho de duvidosa “utilidade”, de outra, tornou-se agradável para o artista
“chocar o burguês” (“épater le bourgeois”), levando-o à perplexidade perante
uma obra de arte abstrata, subversiva e radical. Um artista como Wilde
afasta-se dos valores da burguesia, sem contudo, afastar-se da nobreza. Nesse
conto o autor ilustra a índole materialista dos americanos, para eles, exceto
para Virgínia, filha do Sr. Otis, o dinheiro resolve tudo, inclusive os fenômenos
sobrenaturais tais como a remoção da mancha de sangue com o Detergente Pinkerton
ea lubrificação das correntes do fantasma, com o Lubrificante Sol Levante...
A mancha de sangue tem sido muito
admirada por turistas e visitantes e não pode ser removida. (...) — Tudo isso é
bobagem — gritou Washington Otis —, o Campeão Removedor de Manchas e
Incomparável detergente de Pinkerton a fará desaparecer num piscar de olhos (Wilde,
1996:10).
(...) — Meu querido senhor —disse o sr.
Otis —, devo realmente insistir em que lubrifique essas correntes e para isso
lhe trouxe um vidrinho do Lubrificante Sol Levante de Tammany (Wilde, 1996:
14).
O Sr. Otis é cético, subestima os
ingleses, critica a comida, a arte, o sotaque; chega até mesmo a dizer que a
única solução para a Inglaterra é a emigração. O ministro não respeita as
tradições culturais, pelo contrário, ironiza a sociedade inglesa, como ilustra
a seguinte citação: “— Que clima monstruoso! — observou o ministro americano
calmamente, enquanto acendia um charuto enorme. (...) sempre achei que a única
solução para Inglaterra é a emigração” (Wilde, 1996: 11). Seu filho mais
Do lat. virgo, virginis, virgem. Neste
caso, como em Virgílio e Virgília, a origem mais provável parece ser o etrusco vercna,
lamentavelmente de significado desconhecido.
A onomástica tanto pode remeter à figura
histórica de George Washington, quanto à capital dos Estados Unidos. Tinha uma
especial implicância com Washington, pois sabia muito bem que era ele que tinha
o hábito de remover a famosa mancha de sangue Canterville, com o auxílio do
Incomparável Detergente de Pinkerton.. (...) por cinco dias não saiu do quarto
e, finalmente, decidiu renunciar à mancha de sangue no assoalho da biblioteca (Wilde,
1996: 21 e 27).
Os gêmeos, filhos mais novos, cujos
nomes fazem menção à bandeira americana, Estrelas e Listras, quase “mataram” o
fantasma, se é que isso pode acontecer: “No dia seguinte, o fantasma sentiu-se
muito fraco e cansado. (...) Seus nervos estavam em frangalhos e
sobressaltava-se ao menor ruído. (...) Apesar de tudo, não o deixavam em paz”
(Wilde, 1996:27).
De um lado, há uma crítica aos
americanos, pois o fantasma inglês, que era culto, lia poesia e assustava os
moradores com números teatrais, julgava-os grosseiros, vulgares, sem classe e
desprovidos de valor, apesar de sua riqueza material:
“Evidentemente, tratava-se de gente que
estava num plano baixo e material de exis-tência, totalmente incapaz de
apreciar o valor simbólico dos fenômenos sensoriais” (Wilde, 1996: 27).
Por outro lado, há uma crítica também em
relação aos ingleses que, mesmo na ruína consideram-se superiores, “nobres”.
Wilde mostra a decadência da aristocracia britânica, a força de sua
prepotência, embora pisada pelo poder econômico da burguesia, que enriquece e
não admite mais ser menosprezada pela nobreza que nada produz. No fim, o
fantasma foi vencido pelo dinheiro, pois até a mancha de sangue passou a ser
dos Otis, após certo tempo. O interessante nesse trecho do conto também é a
questão da paródia, pois, Virgínia ficava aflita ao ver a mancha porque o fantasma
utilizava-se de suas tintas na confecção dela, e não por motivos sobrenaturais,
como se imaginava.
A cor camaleônica da mancha também
provocava muitos comentários. (...) Essas mudanças caleidoscópicas naturalmente
divertiam muito os membros da família, que todas as noites faziam apostas sobre
o assunto. A única pessoa que não participava da brincadeira era a pequena
Virgínia que, por alguma razão inexplicada, sempre se mostrava muito aflita
diante da mancha de sangue, quase chorando na manhã em que a viu
verde-esmeralda. (...) o senhor sabe que roubou os tubos de tinta de minha caixa
para tentar restaurar aquela ridícula mancha de sangue na biblioteca (Wilde,
1996: 18 e 36).
Wilde representa os ingleses usando a
figura de um fantasma por ser algo extremamente sensorial, criando um contraste
perfeito com o lado materialdos americanos. O texto aparentemente não é sério,
por tratar-se de uma sátira, porém há uma crítica refinada e irônica nas
entrelinhas, direcionada às citadas sociedades.
A personagem Virgínia desempenha um
papel relevante na estória. A escolha de seu nome obedece a uma lógica, pois o
nome remete à pureza, característica fundamental no papel de salvadora que ela
exerce no conto. Na mitologia, a virgem era sagrada e indispensável nos rituais
de salvação, sendo até mesmo sacrificada em alguns casos. Virgínia intercede
pelo fantasma perante a divindade e finalmente ele é perdoado, pode então,
descansar em paz: “ — Deus o perdoou — disse Virgínia grave-mente,
levantando-se, e uma bela luz pareceu iluminar seu rosto” (Wilde, 1996: 47).
Ela é o meio termo entre essas duas
culturas por isso pode extinguir as desavenças. Nasceu na Inglaterra, mas
cresceu nos Estados Unidos, formando um elo de ligação entre as duas culturas:
é moderna e ao mesmo tempo respeita as tradições, tornando-se uma peça chave na
resolução da trama. Em suma, no estudo de uma obra, deve ser considerado
geralmente o contexto da época, o lugar de onde o autor estava falando, a fim
de se entender melhor o significado da obra, ou seja, o que o artista queria
dizer. A Era Vitoriana é considerada uma época de expansão, de progresso
socioeconômico, de grande industrialização e também de desvalorização da arte.
Alguns desses aspectos atingem Wilde e são representados nesse conto:
transparecem o comercialismo do burguês americano e a hipocrisia da
aristocracia inglesa da Era Vitoriana na sátira e na provocação.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO,
Sebastião Laércio de (1993). Dicionário de nomes de
pessoas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
CADERNO
MAIS. Folha de S. Paulo, domingo, 26 de novembro de 2000.
CULT, n.40, novembro/2000: 51-63.
MARIA,
Luzia de (1984). O que é conto. Coleção Primeiros
Passos. 3. ed. São Paulo, Brasiliense.
MOISÉS,
Massaud (1999). Dicionário de termos literários. 14.
ed. São Paulo, Cultrix.
SANT’ANNA,
Afonso Romano de (1985). Paródia, paráfrase e cia.São
Paulo, Ática.
WILDE,
Oscar (1996). O Fantasma de Canterville. Tradução Bia
Vasconcelos Eduperuk Otsula. Rio de Janeiro, Paz na Terra.
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