segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A GENIALIDADE DE OSCAR WILDE EM O FANTASMA DE CANTERVILLE


Blog “Genialidade e Superdotação”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.



Autoria:

Denise Oliveira da Silva. Universidade Federal de Alagoas.


RESUMO


No conto “O fantasma de Canterville”, Oscar Wilde aborda a questão da desvalorização da arte pelos burgueses, novos ricos desprovidos de cultura e tradição que alegavam que o artista cobrava caro por uma simples “mercadoria”. Reagindo à diminuição do seu trabalho, os artistas procuram chocar a burguesia, como podemos perceber na obra em análise, cujo autor tece críticas através de sua arte: discute a rivalidade entre Inglaterra e Estados Unidos na Era Vitoriana. Critica de modo bem-humorado e sarcástico tanto o comercialismo e a falta de cultura dos americanos, quanto a arrogância e a decadência dos ingleses.

Em toda a obra de Oscar Wilde (1854-1900) perpassa um humor sarcástico, ferino e certeiro, que atingia em cheio seus contemporâneos, pessoas poderosas, que se sentiam desconfortáveis com suas críticas. O mesmo ciclo de pessoas que o aplaudiu, o desprezou logo após sua prisão em 1895. Até então Wilde só conhecia o sucesso, que durou uma década, de 1880 a 1890. Durante esse período, ele foi muito prestigiado na Inglaterra. Talvez ele tenha sido condenado não pela opção sexual, mas por vingança, por parte da sociedade que ele ironizava, como podemos perceber na seguinte citação: “(...) Uma sociedade que, diga-se, ele adulava com uma mão e ironizava com a outra, fazendo questão de desmontar com suas tiradas a hipocrisia reinante na aristocracia britânica” (Cult,n. 40,2000: 52).

Personalidade singular, Wilde se destacava em vários gêneros, tais como: a oratória, o romance, a poesia, o teatro, sendo também um brilhante epistológrafo e criador de frases de efeito. Tudo que escreveu continua sendo cada vez mais lido, sua obra não envelhece, como cita Jorge Luis Borges, no prefácio de Chá das cinco com Aristóteles e Outros artigos: “A obra de Oscar Wilde não envelhece. É tão atual que bem poderia ter sido escrita esta manhã.”

O conto em análise, “O fantasma de Canterville”, é controverso, bem-humorado, crítico, inteligente e inovador, tal qual seu autor. Propõe uma ruptura com o estilo tradicional de conto, como os contos de Sherazade, por exemplo. Fazendo um contraponto entre os referidos contos, temos o ato de contar como resistência à morte: Sherazade vs. o ato de contar como desafio à morte: Wilde. Este desafiava as forças vigentes da sociedade inglesa, de forma irônica e requintada, tocava no “Calcanhar de Aquiles” dessa aristocracia, sua audácia chegava a ser corajosa.

“O fantasma de Canterville” pode ser visto como uma paródia baseada nas estórias de fantasma, muito comuns na época em que o conto foi escrito. Num tom irônico, Wilde trata da oposição entre a aristocracia britânica e o “American way of life”.

Conforme os seguintes trechos:


De fato, o próprio lorde Canterville, que era um homem muito escrupuloso em questões de honra, viu-se no dever de mencionar o fato ao sr. Otis quando discutiram os termos da compra. (...) o fantasma foi visto por diversas pessoas da minha família (...) freqüentemente lady Canterville mal conseguia dormir à noite.(...) — Senhor —respondeu o ministro —, ficarei com os móveis e o fantasma pelo preço combinado. (...)

Mas fantasmas não existem, senhor, e suponho que as leis da natureza não serão suspensas por causa da aristocracia britânica (Wilde, 1996:5-6).

(...) os Cantervilles têm o sangue azul, por exemplo, o mais azul em toda a Inglaterra, mas sei que vocês americanos não ligam para essas coisas.

(...) estou certa de que o senhor fará um enorme sucesso, uma vez em Nova York. Conheço muita gente lá que daria 100 mil dólares para ter um avô, e muito mais ainda para ter um fantasma na família(Wilde, 1996:37).

O texto de Wilde é impregnado de ironia. Há críticas recíprocas por parte dos dois países citados na trama. O autor satiriza tanto a Inglaterra quanto os Estados Unidos, mostrando os aspectos peculiares aos dois países, sejam negativos e/ou positivos, conforme quadro a seguir:

Os americanos, representados pela família do ministro Otis, são modernos, ricos, industrializados. Como não poderia deixar de ser, Wilde, artista que era, dá suas alfinetadas sutis no que diz respeito à industrialização e, conseqüentemente, à comercialização da arte nos dois países, mesmo porque também conhecia os Estados Unidos. Assim comenta o ministro americano, novo proprietário do castelo inglês:


(...) Venho de um país moderno, onde temos tudo o que o dinheiro pode comprar; com todos os nossos ativos jovens se esbaldando no Velho Mundo e levando embora seus melhores atores e prima-donas, creio que, se ainda houvesse na Europa um verdadeiro fantasma, já o teríamos conosco em algum museu público, ou exposto nas ruas, em espetáculo (Wilde, 1996: 6).


No livro O que é conto, a autora Luzia de Maria dá uma idéia do contexto social dessa época:


(...) Pano de fundo das modificações artísticas, estão as modificações histórico-sociais que engendram os modos de vida em cada época. A arte é, sempre, a expressão de um ser sensível ante o real com que se defronta. E, no século XIX, vão-se consubstanciar, realmente, mudanças que os tempos de modo gradativo vinham germinando. A Revolução Industrial e o conseqüente declínio do artesanato, a ascensão da classe burguesa — a presença dos novos ricos, sem qualquer lastro de cultura e tradição —, a produção em série de bens vulgares e pretensiosos freqüentemente nomeados como “Arte” —- tudo isso havia deteriorado o gosto do público, marcando profunda dissociação entre o artista e o receptor de sua arte (Maria, 1984: 78)

De uma posição, se o negociante não respeitava o artista, considerava-o um impostor que cobrava caro por um trabalho de duvidosa “utilidade”, de outra, tornou-se agradável para o artista “chocar o burguês” (“épater le bourgeois”), levando-o à perplexidade perante uma obra de arte abstrata, subversiva e radical. Um artista como Wilde afasta-se dos valores da burguesia, sem contudo, afastar-se da nobreza. Nesse conto o autor ilustra a índole materialista dos americanos, para eles, exceto para Virgínia, filha do Sr. Otis, o dinheiro resolve tudo, inclusive os fenômenos sobrenaturais tais como a remoção da mancha de sangue com o Detergente Pinkerton ea lubrificação das correntes do fantasma, com o Lubrificante Sol Levante...

A mancha de sangue tem sido muito admirada por turistas e visitantes e não pode ser removida. (...) — Tudo isso é bobagem — gritou Washington Otis —, o Campeão Removedor de Manchas e Incomparável detergente de Pinkerton a fará desaparecer num piscar de olhos (Wilde, 1996:10).


(...) — Meu querido senhor —disse o sr. Otis —, devo realmente insistir em que lubrifique essas correntes e para isso lhe trouxe um vidrinho do Lubrificante Sol Levante de Tammany (Wilde, 1996: 14).


O Sr. Otis é cético, subestima os ingleses, critica a comida, a arte, o sotaque; chega até mesmo a dizer que a única solução para a Inglaterra é a emigração. O ministro não respeita as tradições culturais, pelo contrário, ironiza a sociedade inglesa, como ilustra a seguinte citação: “— Que clima monstruoso! — observou o ministro americano calmamente, enquanto acendia um charuto enorme. (...) sempre achei que a única solução para Inglaterra é a emigração” (Wilde, 1996: 11). Seu filho mais

Do lat. virgo, virginis, virgem. Neste caso, como em Virgílio e Virgília, a origem mais provável parece ser o etrusco vercna, lamentavelmente de significado desconhecido.

A onomástica tanto pode remeter à figura histórica de George Washington, quanto à capital dos Estados Unidos. Tinha uma especial implicância com Washington, pois sabia muito bem que era ele que tinha o hábito de remover a famosa mancha de sangue Canterville, com o auxílio do Incomparável Detergente de Pinkerton.. (...) por cinco dias não saiu do quarto e, finalmente, decidiu renunciar à mancha de sangue no assoalho da biblioteca (Wilde, 1996: 21 e 27).

Os gêmeos, filhos mais novos, cujos nomes fazem menção à bandeira americana, Estrelas e Listras, quase “mataram” o fantasma, se é que isso pode acontecer: “No dia seguinte, o fantasma sentiu-se muito fraco e cansado. (...) Seus nervos estavam em frangalhos e sobressaltava-se ao menor ruído. (...) Apesar de tudo, não o deixavam em paz” (Wilde, 1996:27).

De um lado, há uma crítica aos americanos, pois o fantasma inglês, que era culto, lia poesia e assustava os moradores com números teatrais, julgava-os grosseiros, vulgares, sem classe e desprovidos de valor, apesar de sua riqueza material:

“Evidentemente, tratava-se de gente que estava num plano baixo e material de exis-tência, totalmente incapaz de apreciar o valor simbólico dos fenômenos sensoriais” (Wilde, 1996: 27).

Por outro lado, há uma crítica também em relação aos ingleses que, mesmo na ruína consideram-se superiores, “nobres”. Wilde mostra a decadência da aristocracia britânica, a força de sua prepotência, embora pisada pelo poder econômico da burguesia, que enriquece e não admite mais ser menosprezada pela nobreza que nada produz. No fim, o fantasma foi vencido pelo dinheiro, pois até a mancha de sangue passou a ser dos Otis, após certo tempo. O interessante nesse trecho do conto também é a questão da paródia, pois, Virgínia ficava aflita ao ver a mancha porque o fantasma utilizava-se de suas tintas na confecção dela, e não por motivos sobrenaturais, como se imaginava.

A cor camaleônica da mancha também provocava muitos comentários. (...) Essas mudanças caleidoscópicas naturalmente divertiam muito os membros da família, que todas as noites faziam apostas sobre o assunto. A única pessoa que não participava da brincadeira era a pequena Virgínia que, por alguma razão inexplicada, sempre se mostrava muito aflita diante da mancha de sangue, quase chorando na manhã em que a viu verde-esmeralda. (...) o senhor sabe que roubou os tubos de tinta de minha caixa para tentar restaurar aquela ridícula mancha de sangue na biblioteca (Wilde, 1996: 18 e 36).

Wilde representa os ingleses usando a figura de um fantasma por ser algo extremamente sensorial, criando um contraste perfeito com o lado materialdos americanos. O texto aparentemente não é sério, por tratar-se de uma sátira, porém há uma crítica refinada e irônica nas entrelinhas, direcionada às citadas sociedades.

A personagem Virgínia desempenha um papel relevante na estória. A escolha de seu nome obedece a uma lógica, pois o nome remete à pureza, característica fundamental no papel de salvadora que ela exerce no conto. Na mitologia, a virgem era sagrada e indispensável nos rituais de salvação, sendo até mesmo sacrificada em alguns casos. Virgínia intercede pelo fantasma perante a divindade e finalmente ele é perdoado, pode então, descansar em paz: “ — Deus o perdoou — disse Virgínia grave-mente, levantando-se, e uma bela luz pareceu iluminar seu rosto” (Wilde, 1996: 47).

Ela é o meio termo entre essas duas culturas por isso pode extinguir as desavenças. Nasceu na Inglaterra, mas cresceu nos Estados Unidos, formando um elo de ligação entre as duas culturas: é moderna e ao mesmo tempo respeita as tradições, tornando-se uma peça chave na resolução da trama. Em suma, no estudo de uma obra, deve ser considerado geralmente o contexto da época, o lugar de onde o autor estava falando, a fim de se entender melhor o significado da obra, ou seja, o que o artista queria dizer. A Era Vitoriana é considerada uma época de expansão, de progresso socioeconômico, de grande industrialização e também de desvalorização da arte. Alguns desses aspectos atingem Wilde e são representados nesse conto: transparecem o comercialismo do burguês americano e a hipocrisia da aristocracia inglesa da Era Vitoriana na sátira e na provocação.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AZEVEDO, Sebastião Laércio de (1993). Dicionário de nomes de pessoas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.

CADERNO MAIS. Folha de S. Paulo, domingo, 26 de novembro de 2000. CULT, n.40, novembro/2000: 51-63.

LAUB, Michel (2000). A importância de ser Oscar Wilde. www.revbravo.com.br/bra vo38/livros/index.shtml.

MARIA, Luzia de (1984). O que é conto. Coleção Primeiros Passos. 3. ed. São Paulo, Brasiliense.

MOISÉS, Massaud (1999). Dicionário de termos literários. 14. ed. São Paulo, Cultrix.

SANT’ANNA, Afonso Romano de (1985). Paródia, paráfrase e cia.São Paulo, Ática.

WILDE, Oscar (1996). O Fantasma de Canterville. Tradução Bia Vasconcelos Eduperuk Otsula. Rio de Janeiro, Paz na Terra.





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